sexta-feira, 29 de agosto de 2014

pediram-me uma folha

Caminhávamos juntos, pés com pés. Eu e meu jeito torto de ser. Sempre comigo. A passos esquisitos por ter uma perna mais curta que a outra.
Nessas passadas irregulares, logo após chegar ao Parque Central, um sujeito dirigiu-se a mim. Disse-me qualquer coisa, mas eu tinha os fones aos ouvidos e o cérebro concentrado na melodia de Camelo. Não entendi nada.
Pensamos sempre naquelas coisas que nos pedem na rua: dinheiro, cigarros... Pensamos que estão a nos vender drogas ou qualquer outro delírio.
Tirei os fones e disse:
- Não entendi, mano.
O rapaz era um negro alto e estava vestido com roupas largas. Também tinhas uns fones. Eu também tinha a camiseta larga por não gostar delas grudadas ao corpo.
Ele segurava uma folha pautada preenchida, em todos os espaços possíveis, com versos em uma das mãos e uma caneta azul na outra.
- Não tens aí folhas que me possa desenrascar? Pode ser?
Eu fiquei tão estupefato com o pedido que na hora hesitei e meneei a cabeça negativamente. Pus-me ao andar torto e a pensar naquele pedido intensamente. Sei, parece bobo.
Alguns segundos depois, fui ao encontro dele e pedi desculpas. Sempre tenho papeis e canetas em minha mochila. E sempre estou a carregá-la.
- Tenho cá um caderno. Esqueci-me dele. Pode ficar com ele.
- Não precisa. Quero apenas umas duas ou três folhas.
Perguntei:
- Estás a escrever músicas?
- Sim. Escrevo rap. Tenho muitas ideias e não tinha mais onde guardá-las. Se não escrevê-las logo, esqueço-as rapidamente.
Entreguei as folhas.
- Boa sorte, então! Força!
- Obrigado!
- Tá-se bem.
É de se pensar. Geralmente nos pedem papel para anotar um endereço, um número de telefone, um recado... Mas não para escrever uma poesia, uma letra de música, um conto...
Tive a sorte grande. Pude ajudar um poeta. Espero não esquecer desse dia.

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