domingo, 22 de novembro de 2009

diversão no quadro

Está olhando para mim. Viro o rosto para disfarçar, mas não há parede que me cubra. Nem de concreto. Nem de ferro. Dentro da caixa ela está. De corpo de vidro contraste excessivo. Ela é de vidro. De vidro como a caixa. Minha mente reflete o meu reflexo refletido no falso interior. No vazio. Estou reflexivo. Nada de novo. No momento, apenas um novo canal. Mais vitrais se movendo em direção ao mundo real. Na TV, muita coisa é imaginária. Artificial é o modo de pensar sobre os artifícios do aparelho. A diversão do domingo da família do Manoel. Depois do almoço, o jogo. E esfera. E daí por diante. Não consigo enxergar o que tu queres que eu sinta daí de dentro, aqui por fora. A imagem está mais dautônica. Posso perceber a leveza da apresentadora velha. A leveza em dizer tolices e manter-se sorrindo. É o reino da agonia. Se as câmeras fossem vivas sentiriam vergonha? De mim? De quem? Alguém dá mais pelo menos que se dá? Um pássaro pousou na janela. Liberdade à memória vitrificada, com asas e moldura pintada de branco fosco.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

3x4

Não sou eu nessa 3x4. Não e definitivamente. Pensava não sorrir a escanteio. Meus cabelos costumam estar mais bagunçados. Minha tez branca tem esse brilho? O fash da câmera me banhou de luz e fiquei com a cara limunosa feito letreiro de butique. Se meus olhos permanecessem por tanto tempo abertos, certamente um problema sério de lubrificação no globo ocular me atingiria. Iria precisar de um bom colírio. Na foto, estancaram a minha imagem mais irreal: aquela com falsa preparação e tudo inacabado, ou acabado demais. A seriedade confiscou a alegria e o resultado veio em três minutos. Quatro 3x4 a oito reais.

sábado, 14 de novembro de 2009

toda teen

A mulher da capa da revista tem o coração no papel. Mostra os dentes clareados mesmo com anúncio da Coca-Cola. Seus cabelos anelados balançam ao vento produzido fora de quadro. Ela não sabe, eu ri do seu sorriso adolescente comprado. O título dizia: Jovem aos 40.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

último pedido

Com sede, subiu a ladeira. O coração acelerou. Caiu de joelhos. Última reza, pedido, perdão, suspiro. Tarde demais para um copo com água.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

o peso da chuva

A chuva se apresentou forte. À tarde, permaneceu tímida em meus ombros e costas. Não molhava e não provocava. Debaixo da marquise, as cordas de um violino, violão e violoncelo vibravam Mozart. Havia o coral das gotas de chuva nos capôs dos carros estacionados. Melodia pós-moderna tomada de assalto. Sons incidentais e experimentais entre natureza e homem. Tenho certeza, com toda a pretenção do mundo, de que os músicos não perceberam o furto. Minha atenção se deu ao conjunto da obra. Há tanta melodia nas ruas. Quando paramos (obrigados) por minutos num abrigo qualquer, podemos notar essa diversidade. Fui para o ponto de ônibus. Não havia a ladainha que existe em qualquer coletivo pela manhã ou no fim de tarde. Parece-me que nesses períodos as pessoas precisam desabafar. Quando chove é: - "... e essa chuva, hein? - Pois é, menina. A roupa no varal não seca". Quando faz sol: - "... que calor é esse, hein? - Pois, é menina. Saio do banho molhada de suor". Há quem fala demais e há os que ouvem demais. Há os silenciosos também e os de sintonia em seus fones de ouvido. Outros de olhos para os livros. Percebi que a maioria, quando retorna ao lar depois de um dia atribulado, anseia a recompensa da chagada. A minha foi encontrar a esposa me esperando com o guarda-chuva aberto e um sorriso que iluminou, às 22 horas, a noite; secou a minha roupa e aqueceu meu corpo. Tudo na medida certa. Antes disso, um homem passou por mim se protegendo com a bandeira do Brasil. Gozado isso. Foi como se a nação o cobrisse da chuva. O salvasse do alagamento em seu corpo causado pelas nuvens com olhos ardidos de fumaça. Uma nação inteira cobrindo as costas de um trabalhador cansado. Espero que, quando ele retornar à casa, possa escutar música e deleitar-se no colo da amada. Sem isso, a noite não passará de uma vontade de chegar e esquecer o domingo sem graça e monótono. Os sapatos dele pareciam pesados. Acho que foi por olhar para baixo. A chuva tem um peso diferente para cada um.

sábado, 7 de novembro de 2009

fôlego

Isso não é para mim. Não. Não e definitivamente. Eu sinto a tua vontade de ser grande. Sinto o desacordo. A dificuldade. Mas enxergo o resultado. A glória está a caminho. Junto virá a coroa de oliveiras. Sem espinhos. Vencer é o medo de se sentir derrotado. Ou o medo puro e simples. O medo faz com que vivamos à espera do final. Precisamos, enfim do fim. Precisamos nos separar dos extremos, sim. Pelos poros entram os compromissos. Logo atingem a corrente sanguínea e chegam aos órgãos. O cérebro é tomado. Inflo os pulmões. É para mim. Preciso de mais fôlego. Fôlego não. Talvez um copo com água ou taça sem vinho. Companhia para animar essa viagem com chegada e mais partidas.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

excerto

Pétala amarela. Chão verde. Quadrados brancos. Quadrados pretos. Lentes arranhadas. Meus óculos manchados deixaram a minha vista cansada. Cansei do amarelo das flores penduradas nas folhas verdes. Lá, no alto do velho tronco em frente a velha casa. O gato mirava o pássaro, que partiu rapidamente para o voo. Fuga. O gato ficou com cara de bobo. Que bobeira a minha, meu senhor. Trocar o amarelo pelo lilás das flores do jardim da praça. Visão rasteira. O censor rasteia aquilo que outrora permaneceu como fragmento da vida. As lentes não enxergam por mim. Sem elas, turvo trechos do cotidiano. Excerto a imagem real. Projeto o surrealismo. Vejo as mãos saírem dos quadrados. As pétalas sorriem. O gato deixa o pássaro e arranha o vidro preso nas armações de meus pensamentos.