sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Natal

O Natal. Ernest Hemingway disse que "saberemos mesmo o significado quando estivermos distante de quem amamos". Na véspera desta data, um grande amigo, o qual eu não vejo há três anos, me ligou. Ouvir a voz dele foi como voltar no tempo. Conversamos e marcamos um botequim. Ao vivo se fala da vida. Se mostra a cara. Minha prima comprou um presente para mim: uma camiseta regata. Eu não percebi, ou melhor, não dei atenção ao gesto da pequena. Ela não sabe que não uso este tipo de vestimenta. Mas, presenteou-me. Lembrou de mim, de mais dois primos e da tia. Uma lembrança para cada um em embalagens incolores. A rua não mudou muito. Há pouco, muitas crianças faziam estripulias com bombinhas e estralinhos. Permanecerão ao varar da noite. Já estive com eles. Precisei ser eles. Aos primeiros minutos do dia 25, a família se abraçou. Isso me deixou feliz. Gestos permanecem do mesmo jeito que os deixamos. Da janela, um estrondo me chamou a atenção. Uma cascata de luz escorria pela atmosfera densa e azul anil. Meus olhos estão pesados. O sono me forçou a abraçar a cama ao invés de estar aqui. Minha companheira deve concordar com Hemingway; sente saudades dos pais e irmãos morando no Velho Mundo. O Natal ensina a prestar atenção em tudo e em todos que amamos e admiramos. Nos ensina a valorizar os pequenos gestos. Nos faz lembrar de sorrisos plurais dentro de uma sala cheia de pessoas. Enquanto estivermos todos por perto, mesmo que em pensamento, lembrarei desses dias e do presépio que a mãe faz ao ar livre. Todo simbolismo de amor esplícito em seus gestos. Em todos os pequenos, mas sinceros, gestos. Creio saber o significado do Natal, mesmo estando perto deles.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

diálogo com o sono, sobre ele e o cansaço de noites mal dormidas

Andei por aí sem saber em que pensar. Afrontei-me com as possibilidades, diversas, de poder fazer o que bem entender. Atravessei a rua e permaneci no mesmo estado. Insólito. Toda via é via de mão dupla. Todavia não necessária. O acaso apertou a minha mão direita. Quis acordar alguém dormindo na sala de jantar. Olhos fechados. Assim foi, durante a noite que dormira debruçado sobre a pilha de livros. Tentara descansar sobre as palavras. Sobre a biografia de cada autor. Toda obra é um tanto da vida e do imaginário de quem a escreve. A situação ficou calamitosa quando resolveu tomar um copo com água. Isso o irritou porque não sentia sede. O dia estava clareando. Pelas frestas da janela do quarto, manchas vermelho-alaranjada tingiam a parede lilás. "É hora de acordar", dizia a gravação vinda do aparelho celular. Abriu os olhos lentamente. Sentiu o calor de uma noite. Calor de sonhos que adoram pregar peças. Calçou os chinelos e um shorts puído. Foi até a cozinha. Esquentou água e dissolveu um sachê de chá de camomila. O descanso o cansa ainda mais. A ducha fria o despertou. Havia, ainda, todo um dia de trabalho pela frente. E pensar em permanecer com colegas bem humorados não dificultava a labuta. Isso, se fosse verdade. Na repartição pública era outra noite de pesadelos. Ou melhor, pesadelo de olhos abertos. Vista grossa para as contas. Tudo visto e palpável. Intragável situação. E assim foi assim até às 18 horas. Por volta das 22 horas, quando já em casa deitava em sua cama, o ciclo se iniciava. As olheiras mais profundas. Ânimo faltando na vida desse homem. Coisa de noites ruins. De vida ruim. Solidão é um prato vazio para quem o deixa cheio.

sábado, 19 de dezembro de 2009

obras

Envergando-me do vento que barbeava meu rosto, segui pela calçada. Pensei nesse um quanto de século vivido e percebi juventude e infância ainda presentes. Mesmo com tantos buracos no caminho e minha cara fechada, acreditava na mudança. Qualquer mudança é possível, meus senhores. Tropecei mais uma vez num buraco de aproximadamente dez centímetros. A vida é bem mais profunda do que isso. Precisei rir. Rir de tudo. Rir e sorrir para aquilo que achava válido. Ontem eu li que a verba para reforma do pavimento de pedestres em todos os bairros da cidade foi liberada. Espero, ansioso, que as obras comecem pela minha rua. Do contrário, não poderei seguir em linha reta; apenas em frente. As linhas retas não são agradáveis. Posso dizer que são nauseantes e monótonas. Acho que escreverei uma carta para o setor de obras e serviços públicos da prefeitura para deixarem a calçada como está. Algumas modificações alteram demais o curso natural da vida. Andar sem titubear. Apenas andar e seguir.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

desculpas escritas por alguém

Carta selada, endereçada. Uma declaração, um pedido de perdão, para a amada: "Como és bela, minha mulher. Sinto saudades do teu cheiro doce, pela manhã, quando tomo meu café. Sem ti por perto, o pão permanece aberto, sem recheio e gosto. Que desgosto. Volta logo para me fazer companhia. Prometo respeitá-la e não farei com que sintas nostalgia. Os dias serão como no início: sem ponto de chegada. E partiremos novamente para uma vida a dois. Só não me digas depois". Dez dias após, o envelope retorna. Uma recusa? Carimbo dos Correios. Três datas. Destinatário ausente. Mudou-se. Se foi. Não se sabe para onde. Se sozinha ou acompanhada. Palavras ao fogo. Um e-mail seria mais rápido e menos doloroso. O adeus, irreal.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

respirar

Acordou. Era o sonho se repetindo. A realidade lhe cumprimentando. Era acordar sem ar. O desespero saindo pela boca. Coração a todo vapor. O peito pesa e se amarra. Se imagina voando, solto no ar. Controlando respiração e equilíbrio. Haverá um novo talvez e sombras de dúvidas. Relembra quando a viu chegando. Sorrateira, forte, invisível e poderosa. Precisava lutar. Resistir ao desconforto de não enxergar as causas de tanta dor. Encontrar beleza para fugir daquilo que não sabe o que é. Abrir as janelas para o jardim da felicidade estável, mesmo acreditando que felicidade não é sensação, mas estado. Seja lá como for, a poeira ainda está em todo canto. Cabelos brancos dão sinal de espera e ainda chove na primavera. Dentro do meu peito, calcificando-se pelo que não vejo, sinto meu coração bater. E sinto a vida. Correndo ao meu passo lento. Assoprando uma vela, orando por vento. Pescando o leme de cimento.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

esquecer

Chegou à praia. A leste, avistou uma montanha verde imensa. Seguiu na direção oposta. Próximo ao perímetro de alcance da espuma branca na areia, viu-se perdida como uma concha rosa no meio de tantas outras brancas. Identificou-se com ela. Olhou para trás e percebeu as pegadas apagadas. Sentiu-se, brevemente, só. Ninguém a estava seguindo. Viu uma canoa à devira, presa por uma corda amarrada numa castanheira. O balançar nauseante provocado por marolas baianas a fez parar por alguns minutos. Uma brisa lambeu sua nuca suada. Pôs-se a caminhar novamente enquanto as novas pegadas sucumbiam-se à força da água fria e salgada. Sentou na areia, de frente para o mar, e acendeu um cigarro. Tragava quando as ondas vinham e soltava a fumaça ao retorno delas. Mandava a impureza para o oceano. Chorou. Não pela melancolia, mas pela certeza. As certezas geram tristezas quando se alcança a paz. Tirou a blusa de algodão e deitou na areia. Não havia sol. O céu estava escuro e ameaçava chuva. Fechou os olhos de óculos escuros. Levantou. Lembrou da mãe sorrindo e beijando-lhe o rosto. Quis a infância de volta. Fechou os olhos outra vez e pediu. O mar não deu. Resolveu voltar. Não reencontrou a concha. Ficou ainda mais triste. Decidiu ser mais decidida. O regime vai começar na segunda-feira, após retornar a São Paulo. Vai deixar de comer chocolate excessivamente. A análise será substituída por plástico-bolha. A montanha verde vai ficar para as próximas férias, quando estiver mais magra e deixado de fumar. Só estranha o fato de ainda sentir uma falta inexplicável.Ainda não se deu conta dos chinelos esquecidos. Seus pés estão descalços.