sábado, 11 de dezembro de 2010

melodia

melodia silenciosa
vaidosa
soprando ao "pé" do ouvido
um ruido
ordena:
canta
encanta
a tua vida

encontro

oi?
olá!
te vi na semana passada.
onde?
em meus pensamentos. acho, na verdade, que não o vi. era mais a vontade de vê-lo.
vai me dizer que a tua vontade forçou esse encontro, aqui, nessa esquina, a esmo?
não sei. pode ser.
tá bom. você com essa coisa de Universo, conspiração a favor e contra.
e você com o seu ceticismo. cético! cético e frio.
e você, crédula e quente?
olha, preciso ir.
tchau.
tchau. que os astros te protejam. e o Universo lhe ajude.
tchau.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

de mãos dadas

vou à pé, por caminhos tortuosos. porque reto é o pensamento e a vontade de chegar. não interessa o tempo que me tome, o peso que carregue, os objetos que vão cair pela estrada. o que se perderá. sempre jovem na busca de alcançar. o quê? quem? o que eu quero. com a pessoa que quero. e a quero muito. passo a passo. passo a passo. nada de ônibus ou boleia caroneira. o mundo é de quem anda de cabeça erguida e de mãos dadas com a vida.

quem é quem?

suas lindas unhas sujas, uma delas, do dedo mediano do pé esquerdo, encravada, percebo o asseio que lhe falta. imundo. por que cospes no chão? por que se deita nesse mesmo chão batizado por teu ranho, tua sujeira interna externada? ao lado da merda. longe de toda a merda social. eu sei, eu sei, a sociedade é hipócrita. e ninguém é humano. tu és humano? de disser "sim" farar-me gargalhar de ti. por que põe as unhas na tua boca e as devora com avidez? ao invés disso, trate-as nos melhores salões de beleza. ah, meu amigo, não sou teu amigo. não use esse esmalte gorduroso oriundo do pão com manteiga suplicado à porta da padaria. e essa bermuda? não a lave semanalmente. use-a semestralmente, até puir. seu escroto. já ouviu falar em colônia? pois bem, tenha a certeza de que não é esse cheiro de mijo e de merda latente em tuas roupas e corpo. verme. me dá asco saber que estás vivo. digo, vegetando. eu vivo! vegete o teu estado negado por motivos pelos quais não faço ideia ou manifesto curiosidade mínima em saber. renegue o que era e esqueça em cada gole de cachaça. pois dessa vida, nem a sobriedade há de levar. aproveita a minha compaixão nesses breves minutos. toma esse dinheiro que joguei no chão. compre uma cachaça barata. e sinta-se o ser mais inútil desse mundo. pois eu, eu tenho valia e meu coração é nobre. o teu não vale um cobre.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

chalezinho à tarde

se me fazes falta
te encontro do outro lado
basta atravessar a ponte
seguir à pé pela estradinha de barro
esquivar dos buracos
e chegar em tua casa
um chalezinho
bato à porta e ninguém atende
percebo a cortina da cozinha mexer-se
alguém se esconde
torço para que não sejas ti
a fugir de mim
depois dessa longa caminhada
dou as costas e volto
absorto
com lembranças das tardes de outono
quando me esperavas à mesa
para tomarmos chá
e rir um pouco da vida

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Sol entre paredes

Não, senhores. Não e não! O engenheiro não deve ter calculado o espaço para o Sol se por entre esses dois edifícios. Muito menos pensou em meus olhos mirados através de uma janela. Não deve nem ter visto essa mesma janela, onde eu estava, quando o dia terminava. Repare como a natureza se mostra exuberante cortando o vão das colunas de concreto. E mais sábia (será?). O Sol entre paredes vai dormir por trás das montanhas. (Acredito como quando criança). E eu, admirado, penso como é lindo poder dar brilho ao que realmente merece.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

crack

- Moço, preciso da sua ajuda. Você pode me ajudar?
(Dá uma tragada curta, solta a fumaça e bebe um gole, também curto, da lata de cerveja).
- Em que posso ajudá-lo?
(Olhando bem nos olhos dele).
- Sabe o que é? Preciso de dinheiro para a passagem do ônibus. Tive outra recaída...
(Passando a mão que segurava o cigarro pela testa e descansando-a na cintura).
- E essa cerveja? E o Cigarro? Por que você comprou isso ao invés de tomar um ônibus?
(Desacreditado)
- Eu não comprei. Foi uma conhecida que me deu. Todo mundo por aqui me conhece.
(Desacreditado)
- Preciso ir pra casa. Eu tô um lixo. Todo sujo. Fedido. Eu não sou assim. Foi a recaída.
(Olhando para ele, depois para o "nada". Mais um gole de cerveja).
- O que você aprontou? Se teve uma recaída, precisa se manter mais firme. Confiar.
- Voltei a fumar crack.
- Crack é foda. Isso é uma merda!
(Triste).
- Não posso te ajudar. Desculpe-me, não tenho dinheiro.
(Tinha dinheiro).
- Tudo bem. Desculpe-me.
(Chorou e despediu-se de mim).
- Até mais. Força!
(Me distanciei e voltei a olhar para ele. Fiz um sinal de positivo. Ele retribuiu o sinal e sorriu).

Se eu desse o dinheiro, a força que vem dele poderia não ajudá-lo. O dinheiro, pelo contrário, iria complicar ainda mais a vida dele. Cena triste e difícil de tomar uma decisão adequada.

domingo, 24 de outubro de 2010

Pra não dizer que não falei das flores

Eu vi vasos com com flores no apartamento térreo. A porta de entrada está limpa, assim como a beirada da janela. Por ela vejo luzes e escuto o som de pessoas conversando. Quem serão? Como serão os novos inquilinos. Aranhas e pó residiram ali por quase dois meses. Dois meses e um ambiente sem vida. Pessoas chegaram. Quantos são? Não vi se há homens ou mulheres. Ou se há mulheres e um homem. Ou ainda homens e uma mulher. A única coisa que tenho certeza são as flores. Delas eu gostei. Mesmo que não falem ou definam seus sexos.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

do mar, de dentro de casa

na escuridão do lado de lá do mar, anuncia-se que vem tempestade, trovoadas e muita água. lá fora as gotas caem sobre os telhados e formam cascatas porque a calha está quebrada. abro a janela e sinto o vento frio bater em meu peito. respiro a umidade salina. se eu estivesse molhado, do lado de dentro de casa, as paredes fariam aquecer o que há de mais frio em mim nos dias de chuva. coisa essa que ainda não sei.

sábado, 2 de outubro de 2010

deserto

seja o meu mar
molhe o seco serrado
engasgado
com a relva ainda miúda
no deserto plantada
oásis verdadeiro
miragem por desespero
sangria desatada
debaixo de sombra de coqueiro

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

tango a sós

(a canção...)
eu bem sei de teus amores, moça
eu mal sei das tuas dores
imploro por um beijo
suplico uma dança contigo...

(o pensamento da dama)
nesse salão
vasta é a solidão

(o pensamento do cavalheiro)
teu vestido e meu terno
deveriam estar próximos
durante esse tango

(... segue a canção)
depois da dança
nossos corpos
ainda mais colados
suados por lágrimas

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

escárnio com as flores

parece pilhéria
seus pés em meu jardim
você pisa nas plantas e não as destrói
não deixa marcas, rastros
apenas as mágoas
por partir as pétalas
que não vi desabrochar
dentro de mim

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Morel e a máquina

do mar, o nevoeiro avisa que vem tempestade
as páginas de Bioy tomam meus pensamentos
a maré sobe e é um mistério
quando avisto as pedras imóveis na areia
pergunto-me: qual será a invenção de Morel?
as imagens geradas pela minha máquina de memória
projetam inúmeras lembranças
enquanto a chuva chega nervosa

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

passadas da vida

pelas passadas
novos, novas, seguras
que vão
caminhos, que vem
que se fixam
s e d e s p r e n d e m
e recomeçam
direita, esquerda
no meio não posso ficar
não quero
parado não posso falar
bom dia!
é chegada a hora de recomeçar.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

perigo do espaço

um asteróide desce em alta velocidade. atinge uma árvore. quebra o galho onde havia um ninho de João-de-barro. os objetos espaciais estão destruindo a vida na Terra.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

pintura: a arte e a vida

um rosto feminino rabiscado. giz de cera para dar vida à imagem até agora preta, em cima de papel canson. muitas cores, principalmente tons de azul. depois de seca, pendure a imagem e apedreje. analise a obra sobre uma perspectiva atrasada e machista. é possível dizer que a arte imita a vida. qualquer semelhança lhe trará náuseas e, possivelmente, revolta.

domingo, 29 de agosto de 2010

imagens antigas

os vídeos e fotografias nos mostram registros de tempos passados. você se vê com as pessoas mais próximas à época das gravações. parecíamos amigos. todos riam. e eu também. abraçados às paisagens e épocas que compunham vidas bucólicas quase inexistentes, estávamos somente ali. esse elo ficou (lá). o barquinho ao fundo, sem convite, é mais sincero aos valores do pescador que o guiava. entre eles isso é recíproco. há respeito e lealdade para vencer os desafios mar adentro. preciso voltar ao mesmo lugar para ver se encontro os dois ainda juntos. do contrário, estarem no enquadramento não foi mero acaso.

sábado, 28 de agosto de 2010

reações

o homem chorou
outro, riu
um permaneceu sério
mais um homem triste
outrem, eufórico
sujeitos, diversos, calados
enquanto assistiam ao espetáculo da vida

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

mãos sujas

eu vi o ser humano desistir. eu o vi, em seu espaço, quieto, sendo desrespeitado por outros seres da cadeia dos "humanos" da qual muitos pensam fazer parte. naquele momento, ignorando a cena, senti cheiro de desinfetante vindo das minhas mãos.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

lágrimas desalentas

calei meu grito
perguntado-me
se vale a pena gritar
para surdos
com audição perfeita
para os loucos acadêmicos
para os filósofos boêmios
para o homem parado no ponto
para o silêncio engolido fora do almoço
e a dor contida no peito
sem jeito de cura
tem vontade de chorar
palavras desalentas

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

tapioca

tapioca e cocada. avisa em voz entoada o vendedor dessas iguarias. empurra o carrinho e aperta a buzina. para os ouvidos acostumados, o som do aparelho anuncia a chegada do tiozinho de boné e jaleco branco. sempre asseados. passa pela rua de casa por volta das 17 horas. cocada escura e branca. grita. tapioca doce e salgada, quentinha como disse Chico. R$ 2,00 cada. três por R$ 5,00.

domingo, 22 de agosto de 2010

eu, Truffaut e Godard

o olhar de um. a experimentação verborrágica e radical do outro. a produção da sétima arte em sua essência, estudada e aperfeiçoada. produção da mesma arte como catarse de discussões políticas radicais e métodos antiquados. as inquietações de ambos. o papel do homem e da mulher na sociedade. isso me leva a crer que prefiro Truffaut a Godard. Mas gosto de Truffaut assim como gosto de Godard.

Spinoza

o homem é um todo. o que se forma em seu corpo se torna único. assim como o homem, o Universo também é único. somos nós a junção entre homem e universo? ainda não. andamos a passos lentos. o universo é por ele totalmente. os homens são apenas por eles. este é individual diante de seus múltiplos. aquele tem os múltiplos como conjunto único.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

papo entre mãe dogmática e filho

sentirás as pernas fracas, meu caro filho. quando isso acontecer, lembrarás de teu velho pai de bengala, caminhando a passos lentíssimos e reclamando das dores pelo corpo. assim como ele, você herdou a mesma doença. doença essa repassada de seu avô para seu pai. dizem os médicos que a genética de vocês é fraca. a genética por parte da família do falecido. que Deus o tenha. o corpo não absorve a quantidade de cálcio necessária para fortalecer os ossos. já a minha é forte. tenho meus 95 anos e ainda faço muita coisa. Isso é o que eles dizem. para mim, que não passo de uma mãe velha, é coisa de maldição. os antepassados de teu pai devem ter aprontado muito em vidas passadas. agora, as gerações seguintes carregam o peso da culpa nas costas. vamos ver até onde isso vai chegar. a tua mulher está grávida. rezemos para a coisa parar por aqui. rezo também, para que tu não sintas nada. não sofra. muito menos o meu neto, que ainda nem veio ao mundo. para mim, mãe, as coisas não são bem assim. tudo acontece porque a vida quer nos dizer algo. precisamos prestar atenção e decifrar os códigos. tudo depende de códigos e chaves de ativação. os códigos são liberados por essas chaves. elas na verdade não existem, pelo menos fisicamente, mas existem. estão na consciência de cada pessoa. decifrá-las fará toda a diferença para as mudanças. é o aperfeiçoamento da vida, mãe. estamos aqui para melhorar... esquece, filho. esquece. você não terá problemas com os ossos, mas sim com a cabeça.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

silêncio

minhas palavras
não se soltam ao vento
desalento
quando faladas estão
inversão
presas no tempo
espaço, sentido e razão
calar-me vou
silêncio

terça-feira, 17 de agosto de 2010

feiura moldurada

que maravilha
diz a feiura
estou em qualquer lugar
depende de quem me enxerga
frágil ou dura
numa moldura
de algodão
ou arame farpado

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

mudança de vida

o mundo é ruim. é ruim quando você acorda atrasado e deixa de tomar café com a esposa e filhos. É pior ainda quando não se deseja um "bom dia". o mundo é vergonhoso quando você faz confusão com o nome do porteiro do prédio. hora o chama de José, hora de Sebastião. e nem sequer se dá conta da má educação. por falar em má educação, o mundo se torna insuportável quando sai com o carro em direção ao trabalho e funde o motor ou fura um pneu. meu deus! xinga-se até os antepassados. insustentável é o trânsito. lento. mas, não resolve ir de metrô, trem ou ônibus. não cai na onda de poluir menos, ser mais seguro. quando, na verdade, é sufocante, cheio, quente, insuficiente, mal planejado entre tantas outras falhas. é caro. daí, resolve comprar uma bicicleta porque além de não ter gastos, vai praticar uma atividade física. e está na moda entre os executivos descolados. que maravilha! mas a decepção aparece logo no primeiro dia. São Paulo amanhece sob uma torrencial chuva. então, apela-se, pelo menos até melhorar o tempo, ao carro. a chuva só durou alguns minutos. logo após sair de casa, o sol pôs-se a brilhar e o calor na selva de pedra aumentou. tudo bem, gira-se o botão do ar condicionado e relax. o ar não funciona normalmente. o aparelho responsável pelo resfriamento está descalibrado. então, descondiciona ainda mais o teu comportamento. você já chega irritado ao escritório e suado. entra na sala e uma pilha de papéis, mesmo na era digital, lhe aguardam em cima da mesa. você liga para a sala da sua secretária. ela mora na Zona Norte, estuda inglês a madrugada inteira porque ouviu de você que era absurdo não dominar essa língua. só que Silvia perdeu a hora por sleep on the table. está desesperada porque esqueceu de carregar a bateria do aparelho celular. não consegue ligar e tentar explicar a ausência no horário de entrada. ela está no elevador, subindo para o oitavo andar. 45 minutos depois das 7 horas, entra na sala, pede desculpas. você ignora o pedido e mostra as pendências para serem resolvidas durante a manhã. apresse-se. à tarde terá o dobro. Fernanda, sua primeira esposa, liga para o celular. diz que Pedro, filho de ambos, não quer ir à escola. Pedro diz ao pai que quinta-feira é dia de ele o levar. hoje já é quinta e você esqueceu do filho que não mora contigo e precisa ir à escola. pede desculpas e promete levá-lo amanhã. hoje será impossível. e desliga o telefone. resolve ir até à rua para fumar um cigarro. um qualquer lhe pede um. você nega e satiriza dizendo que o vício do tabaco faz mal. volta ao elevador. nono, diz à ascensorista. ela escuta oitavo. "oitavo". e você responde: - eu falei nono, incompetente. ela pede desculpas. mais um andar acima: nono, senhor. 38 anos só lhe renderam a afunilança da competitividade mercadológica. tudo o que é humano, desde comportamento até o proximo, não servem de nada. quando a pressão sobe, é hora de passar uma semana na Europa. tudo pago pela multinacional que preside. 100% das ações o pertencem. nada de sócios. dinheiro herdado do pai e bem aplicado no mercado de ações e cosméticos. este último entrara quando percebeu que o mundo é ruim para mulheres sem produtos de beleza milagrosos, perfumes e corretivos. o mundo de todos é ruim. hora do almoço, meia hora para encontrar vaga no estacionamento do shopping. mais meia hora para conseguir mesa no restaurante. come bem, bebe do melhor. está só. sua companhia, uma estagiária para a qual prometera cargos e futuras promoções, percebeu o jogo e lhe deu cano. amanhã você manda demiti-la. mais uma, menos outra. há milhares querendo a vaga dela. há milhares o querendo. a vida é uma merda. amassaram a porta do seu carro no estacionamento. tantos carros, e escolheram o seu. importado e quase raro de se ver na cidade. chama o gerente do estabelecimento. faz um boletim de ocorrência e tudo certo. os gastos serão ressarcidos . você sempre se dá bem. o dia está quase no fim. seu agente ligou dizendo que o dinheiro investido na semana passada triplicou. está dando tudo certo. o comando lhe pertence. chega ao escritório. uma placa escrita à mão diz que a máquina de café está quebrada. então, decide retirar a máquina coletiva e deixar apenas uma particular. quem quiser alguma bebida vá comprar. 18 horas. retorno para casa. trânsito na marginal Tietê. você manda todo mundo se foder com a buzina. entrada do prédio. Sebastião ou José? Não parece o cara que estava lá de manhã. nunca percebeu a troca de turno. três anos morando ali. entra em casa. um bilhete. "você esqueceu da beleza que havia em nossa união. estou na casa de Ubatuba. quero ficar sozinha com os meninos. por favor, respeite minha vontade. não ligue e não apareça". o que aconteceu? ela está louca. pega as chaves do carro e vai até um bar. bebe apenas para pensar em tudo. dor de cabeça é inevitável. garçom, por favor, me traz mais uma dose. copo no balcão. obrigado, responde. e sorri. pergunta o nome do rapaz do outro lado do balcão. "André, senhor". agradece mais uma vez. sente falta da mulher e dos filhos. volta para casa e dorme sozinho no quarto. o mundo começa a melhorar para ele. a previsão para o outro dia é sol. a bicicleta está parada. poderá ser usada amanhã.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

12 de agosto

é o mundo que me leva
destruindo valores
são as pessoas nos pesares
nos sentimentos pesados
quando penso em acreditar
vejo um sorriso sem graça da tua cara deslavada
as promessas são feitas
e valem
por hora, desvalem
um escafandro é mais pesado no fundo do mar
sorrio, agora, do lado de fora
respiro aliviado
a música é tocada
sai de dentro de uma caixa
e o pássaro escolhe o bilhete escrito:
você é feliz
continue assim

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

natureza morta

planta forjada em ferro
enfeita a mesa da sala
borrifa-se água nela
e espera desabrochar
uma flor enferrujada

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

café pra um


separação

a resposta lhe cabia, mas não ousou escutá-la do legista. de forma dolorosa, apenas olhou para o corpo do marido estendido numa cama hospitalar suja de sangue. tinha ciência do fato. seu ex-companheiro estava pálido e com os olhos fundos, fechados. na sala branca com mais dezena de corpos cobertos por lençóis, Bruna se viu perdida no mundo. antes do acidente que resultara na morte de Paulo, ela ligara para o celular dele a fim de pedir desculpas por sugerir a separação. ele não atendia. já estava parado com o carro num poste na marginal Tietê. não se sabe ainda as causas do acidente. um suposto efeito se passa na cabeça de Bruna, que reconhece o morto e assina a liberação do corpo. o enterro está marcado para o dia seguinte, às 1o horas da manhã. será cremado. o coração dela está acelerado e as lágrimas salgam seus lábios. sente-se culpada. sentira-se-á por tempos. mal sabe do caso de Paulo com Virginia por mais de cinco anos. depois da sugestão do divórcio, pegou o carro e dirigiu em alta velocidade para a casa da amante. queria vê-la. no meio do caminho, o celular tocou. ao tentar atendê-lo, perdeu o controle da direção. Bruna e Virginia estarão no velório, guardando ou liberando a mesma mágoa sem saberem quem são, despedindo-se do homem que as conhecia muito bem.

olhos, sobrancelha, nariz e boca






domingo, 8 de agosto de 2010

homem escatológico

homem escatológico
velho moribundo
que horas são?
em que ano está?
tua história se foi?
a fralda está suja
sempre estará
vamos trocá-la
até os teus fins últimos

partida ao meio

forçou-o lacrimejar. limpou-lhe a visão. entre raiva e alívio, durante algum tempo, com os olhos fechados, se arrependera de parti-la ao meio. foi um golpe rápido na vertical, de cima para baixo. era a primeira vez que cortava uma cebola.

sábado, 7 de agosto de 2010

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

reprogresso

ouvi dizer
da tua voz rouca
chorosa
que observando
dos teus olhos verdes
secos por beleza
a construção de mais um prédio
nessa cidade cinza
fica difícil acreditar
no concreto espalhado
em cada pedaço de chão

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

aspirina ou whisky

a vida se dilui, dissolve como aspirina na água. efervescente. sinto arrepios quando a felicidade se torna algo palpável. meu cotidiano é algo bom. "a solidão é permanente". as condições e os homens não são. sinceramente, penso no diminuto da vida como algo devastador e ao mesmo tempo grandioso. das pequenas coisas, vemos o velho escondido. do velho se renasce. reinventa-se. se nos tornarmos cada vez mais vanguardistas, o que será do nosso presente? a festa do futuro morto? o passado revive em todos os cantos. os adolescentes nasceram nos começo dos 90 e estão nos 80. nem passado, nem futuro. o agora é uma roda que gira e seu ponto de parada é um só lugar. as bolhas eclodem. tudo isso me provoca essa dor de cabeça. Bukowski não pensaria assim. Estaria com a garrafa de whisky vazia na mesa e outra cheia na mão. Não esperando o dissolver da vida.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

o amor depende das nuvens carregadas

as gotas d'água
querem beijá-lo
mas o guarda-chuva
está fechado em casa
não pode sair
hoje faz um belo dia de sol
o amor dos dois
depende das nuvens carregadas

sexta-feira, 30 de julho de 2010

máquina do tempo

desconstruir o presente

agora que se desfaz
refaz
desfaz novamente
primeiro
segundo
terceiro
47 do quarto tempo

até os últimos números
infinito é difícil de chegar
infinito de quê? de quem?

só o passado importa
para os que se prendem no tempo

se faltar

euestouaquipralhedizerquesemprequemefaltaremaspalavraselaspoderãosurgirnasformasmaisinusitadasformandofrasesetextosexpressandopensamentoseminhasvisõesdomundointernoeexterno.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

já passou

O que se passa na cabeça da senhora de vestido laranja e arco com flor? Ela passeia pela calçada com a bolsa largada no ombro. Pensa na vida? Meia vida ou vida inteira? Na morte da bezerra ou na do gato? Talvez em um novo par de sapatos? Na minha cabeça se passa o que se passa na cabeça dela. Mas, isso já passou com ela.

na multidão

a multidão agonizava. procurei me isolar para ter o mínimo de contato com as pessoas. sentia os tijolos pressionando o peito. um prédio sendo construído em meu tórax. celulares ligados. conversas soltas. mãos dadas. gente no chão. correndo. absortas. cansadas. tristes. perdidas. senti o vento noroeste me amolecer. ardência na garganta e secura nas narinas. falta de humildade. falta da humanidade. promoções estampadas. panfletos. mal humor. falta de sorrisos de graça. falta de graça e vida nos que passam. cada um com os seus problemas. cada eu consigo. eu me absinto. minto. sorrio. inspiro. faço-me esquecer. é difícil. onde estão os meus amigos? onde está o meu para os outros? sou grato por tudo. tudo o que me cabe. os tijolos estão sendo retirados. e muitas das coisas escritas aqui também serão retiradas.

terça-feira, 27 de julho de 2010

noite sem leitura

meus olhos pesados
as frases do livro dormindo
não posso acordá-las nesta noite
repousam inócuas
enquanto sonho
com o que há depois da página 53

domingo, 25 de julho de 2010

Cartão postal ao ex-marido, durante a viagem

Barcelona é linda.
Tão linda que perdi a vontade de voltar ao Brasil.
Três anos aqui e conheci uma pessoa: Roger.
Meu advogado vai te procurar com a papelada do divórcio.
As plantas estão vivas?
E o cachorro?
Beijo!

Dani.

Bilhete ao marido, antes de viajar a negócios

Precisei ir às pressas.
O carro veio me buscar às 5 horas da manhã.
Parti sem te dar um beijo.
Volto daqui há três anos.
Regue as plantas.
Não esqueça da ração e do banho do cachorro.
Acho que é isso. Mais nada.
Até.

Dani.

Curta O Fim

EXT / PRAÇA / DIA

MARCELA SENTA NUM BANCO DE UMA PRAÇA E CONTEMPLA FLORES BRANCAS. ELA ESTÁ VESTIDA COM CALÇA JEANS E BLUSA BRANCA.
BIG CLOSE NAS FLORES.
MARCELA PENSA QUE ESTÁ VESTIDA COM AS FLORES. OLHA PARA A SUA BLUSA E VÊ AS FLORES. ESTÁ SEM ÂNIMO PARA COM A VIDA.
"MINHA BLUSA É UMA FLOR. A FLOR É MINHA BLUSA".

INT / SALA DO APARTAMENTO DE MARCELA / NOITE

A CENA INICIA COM UMA SUBJETIVA DE MARCELA ASSISTINDO TV. CORTA PARA ELA PASSANDO UM CAFÉ NA COZINHA E ALTERNA COM AS IMAGENS DA TV LIGADA.
ELA DÁ UM GOLE NO CAFÉ.

"A MÃE FAZIA MELHOR DO QUE EU".

ESTÁ PASSANDO UM FILME FRANCÊS, DO TRUFFAUT: O AMOR EM FUGA. MARCELA DORME NO SOFÁ COM COM A CANECA NA MÃO.

INT / SOFÁ DA SALA DO APARTAMENTO DE MARCELA / DIA

BIG CLOSE NOS OLHOS DE MARCELA DORMINDO. CLOSE NAS MÃOS DELA. AS FLORES DA PRAÇA ESTÃO EM SUAS MÃOS.

"CARALHO!"

MARCELA, AINDA SONOLENTA, OLHA PARA O AMBIENTE E VÊ FERNANDO, SEU NAMORADO. ELE ESTÁ DE BERMUDA, CAMISETA E TÊNIS. PERCEBE QUE A NAMORADA ACORDOU. OLHA PRA ELA E SORRI.

MARCELA: EU VI ESSAS FLORES ONTEM À TARDE, QUANDO FUI DAR UMA VOLTA. ESTAVA TÃO PERTURBADA QUE PRECISAVA ENCONTRAR BELEZA EM ALGUM LUGAR OU COISA. SEI LÁ! ELAS ME TRANQUILIZARAM.

FERNANDO: NÓS PRECISAMOS DECIDIR O QUE FAZER. NOSSO RELACIONAMENTO NÃO ESTÁ BEM. VOCÊ NÃO ESTAVA SOZINHA NA PRAÇA. EU ESTAVA CONTIGO. PEGUEI AS FLORES E AS TROUXE. ONTEM VOCÊ DORMIU SOZINHA. EU QUIS FAZER UM AGRADO E AS COLOQUEI EM SUAS MÃOS PORQUE PENSEI QUE ISSO IRIA FAZER BEM PRA NÓS. PENSEI QUE VOCÊ SAIRIA CORRENDO PARA CIMA DE MIM, TIRARÍAMOS E ROUPA...

A CENA TERMINA COM OS DOIS SE OLHANDO.

INT / VARANDO DO APARTAMENTO / NOITE

MARCELA APENAS MIRA O HORIZONTE. MAS NÃO ENXERGA NADA. ESTÁ ABSORTA.
FERNANDO A OBSERVA. ESTÁ COM UMA MALA NAS MÃOS E UMA MOCHILA NAS COSTAS.

FERNANDO: ESTOU LEVANDO "O ESTRANGEIRO", BELEZA?. ACHO QUE VOCÊ NEM PRECISARIA LER PARA PERCEBER QUE ESTÁ DESLOCADA, OU MELHOR, DESLOCANDO NOSSA RELAÇÃO.

MARCELA PERMANECE DE COSTAS PARA FERNANDO. FUMA E TOMA COCA-COLA.

MARCELA: VOCÊ NÃO ESTAVA COMIGO QUANDO PEGUEI AS FLORES. VOCÊ ESTÁ LOUCO! SEI MUITO BEM ONDE ESTAVA O SEU PENSAMENTO. NÃO PERDOO O QUE VOCÊ FEZ. NÃO TE AMO MAIS.

SEM DIZER MAIS NADA, FERNANDO VAI EMBORA. MARCELA PEGA AS FLORES MURCHAS E AS JOGA DO NONO ANDAR.
CORTA PARA UM VASO SEM FLORES QUE ESTÁ NA COZINHA. VOLTA PARA O ROSTO DE MARCELA. ELA ESTÁ SORRINDO.

FIM.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

sexta-feira, 16 de julho de 2010

presente

inverto o que há dentro de mim, inspiro aliviado. estou vivo. dessas más lembranças, o que me resta é a vida inteira pela frente. a vida.

terça-feira, 6 de julho de 2010

armazém

enquanto atravessava a rua hoje à tarde, perdi o quadro de uma imagem criada pelo ambiente. não tinha máquina fotográfica em mãos para registrar. foi um plano perfeito. enquadramento perfeito. depois disso, só pensava em uma caneca com café. seria bom. há mais de um mês sem café. há meses sem fotos. as imagens se perdem diariamente, como os idos goles. armazeno a falta de gostos. a falta de cafeína.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

vaidosa

permaneci inerte por poucos segundos quando vi rugas na imagem refletida no espelho. era a minha imagem. (susto!) pelo menos, alguns sinais comprovavam isso. a pinta bem próxima do nariz, por exemplo. se não for eu, hei de ser. não acordei disposta. então, lavei o rosto com água bem fria. permaneci de olhos fechados enquando secava a face. olhei novamente e, para minha surpresa, a expressão, as marcas, os sinais continuavam do mesmo jeito. preciso me acostumar com a deformação do tempo. ou a deformação causada por ele. caso contrário, o espelho não terá mais serventia. o que mais me assusta, é não ter reparado em mim. como fiquei assim sem perceber? nada de comprar cremes milagrosos. preciso rir um pouco mais. posso rir de minha velhice despercebida. da minha vaidade aos 90.

sábado, 26 de junho de 2010

abstrato

a pupila está no globo ocular. é circular. ainda assim, o mundo me parece quadrado demais.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

esperança do caboclo

pelos caminhos trilhados
segue o caboclo calado
segurando os calos nas mãos
descansando a enxada no ombro

o chapéu de palha furado
ainda o protege dos dias ensolarados
árduos

pisando em pele de boi morto
carrega mais os pés
a terra vermelha é castigada
nas enxadadas
seca a alma e tudo o que há por dentro

água não tem
chuva não vem
semente plantada
acredita, um dia, vê-la enraizada

no retorno à casa
avista a vaca Esperança
magra e morta

segunda-feira, 31 de maio de 2010

de tarde

as gaivotas aterrissaram na areia
e deixaram a tarde mais serena
enquanto as ondas traziam uma brisa salgada
teu cabelo cruzava a linha do horizonte
molhamos os pés no lençol
desenhando formas nauseantes
sob o sol poente escondido nas nuvens
agradeci a felicidade naquele dia
segurei as mãos
porque tudo era de verdade

sábado, 22 de maio de 2010

certas noites

as noites acordam
e levantam para lavar o rosto
olham o filme da vida pela janela
e perambulam na cozinha
à espera de mais um dia
que tarde chega
e leva a insônia
para o ralo da pia
junto com café frio
passado ontem
de manhã

terça-feira, 18 de maio de 2010

sexta-feira, 14 de maio de 2010

nascente

não desapego
do que me resta
de rio lento
seguindo por águas mansas
sem pressa de ser mar
humilde, me deixo evaporar
e cair novamente
em alguma nascente
quantas vezes precisar

Depressa demais para contar nessa história

Mesmo se você correr, Dudu, não vai acelerar o tempo. Uma frase que ouvira da mãe desde a adolescência, quando pensava, naquela época, que fazer tudo depressa faria com que os dias fossem consumidos mais rápidos. Era a vontade de chegar à fase adulta. Era a vontade de alcançar todos os desejos e sonhos daquele mundo: o mundo dos mais velhos. Quando chegou a essa etapa, Du pensara em todo o tempo, ou melhor, do pouco tempo que empregou aos minutos de sua vida. Era tudo muito rápido. Tudo muito enjoativo. As coisas foram acontecendo sem ao menos perceber o despercebido. Sem tempo para brincar com o filhote de labrador que ganhou do pai. Morreram, pai e cachorro, há anos. Sem tempo de ver a mãe com o rosto juvenil sorrir para ele, antes de ir para o trabalho. Com a maior distração, quase não escutou o sim da esposa na hora do casamento. Os filhos vieram depressa e cresceram mais depressa ainda. Senhor Eduardo chegou aos 88 anos, e só agora notou que já está velho.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

pensar

A formiga escalava a raiz de uma árvore. "- Vai levar muito tempo para alcançar a copa". E quem disse que ela quer chegar lá? O pássaro come o fruto muito mais depressa. Ao inseto alguma sobra do voraz apetite da ave? Também sinto fome. Também caminho devagar, para casa. Lá, vou divagar sobre a ânsia de saciar minhas atribulações. Divagar sobre o eu. Buscar respostas durante a minha escalada, diferentemente da formiga. Antes de alcançar a copa que me cabe, é necessário desvendar muita coisa nessa trilha. Esse deserto escondido dentro de uma floresta vasta, cheia de árvores, frutos, formigas e pássaros. Todos se ocupando com as suas vidas e despreocupados com tudo, fazendo o que lhes cabe.

terça-feira, 11 de maio de 2010

seta

No décimo quinto azulejo branco, do revestimento todo branco de uma parede de banheiro, havia um risco azul. Usaram caneta hidrográfica. Todo o local estava limpo. Impecável. Mas havia o risco. Era uma seta desenhada, apontando para a janela aberta. Fiquei curioso. Um aviso sem precedentes. Visão de um lado para o outro. Procurei entender o significado daquilo. Subi no lavabo e olhei pela janela. Por incrível que pareça, não obtive resposta. Desci, frustrado, e a história ficou por esse fim.

terça-feira, 4 de maio de 2010

sol

às 7h da manhã
pela fresta da janela
percebo o quão luminosa é a tua face
refletindo mais luz
do que os primeiros raios de sol
se eu estivesse no equinócio
avistaria somente essa claridade
nas doze horas do dia
nas doze horas da noite
em março
e setembro

terça-feira, 27 de abril de 2010

reaprender

diga que ao pisar em areia de praia os pés não afundam
que ao sujar-se nessa mesma areia, a água que te banhará terá areia e sal
e o sal em teus olhos faz arder a própria vista
longe da vista dos outros
na garganta, provocará sede
diga-me que essas sensações não são verdade
diga-me que a natureza é a favor do homem
e tudo o que se cria pode ser modificado, readaptado
decerto, as coisas acontecem de acordo com a maneira que enxergamos o mundo
ou como nos apresentamos e vivemos
talvez arriscar e afundar os pés não seja uma experiência difícil
posso perceber que é mais fácil do que aprender a andar
aconselho-te a deixar a superfície desalinhar
não te preocupes, porque as ondas vão cobrir os buracos feitos pelos teus calcanhares.

sábado, 24 de abril de 2010

passei por você

Quem dorme no chão, não sonha acordado. Aquele que come sem prato, caça a comida. A sede é de cana. Cigarros encontrados no chão servem para pensar na vida. Toda solidão toma o tempo. Sem compromissos, muito menos retorno para a casa, resta o que resta. Sobras para quem só pensa possuir os restos. Numa noite fria, necessita-se mais do que um cobertor, mais do que uma caixa de papelão ou a marquise da casa lotérica. Dessa necessidade, não sei. Passei por você ontem à noite e pensei nisso.

eu amo

O verbo 'amar' deveria ser conjudado apenas em primeira pessoa, no presente do indicativo.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

cometa

Preguei estrelas e aparafusei a Lua numa tela negra de tinta cintilante. Rabisquei um palito de fósforo de ponta a ponta, em todo o céu, para roubar a cena de qualquer cometa intruso. Este céu, antes todo meu, está para um banco solitário que contempla o mar. Feche os olhos, vou acender outro cometa. Faça um pedido, antes de a luz se apagar.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

agorafobia

agorafobia
me assusta na rua
parado
e em movimento
agora a fobia
me deixa em desalento
preciso de sustento
para um novo dia
você conhece minha fraqueza
age com covardia
pense em mim
e tornar-se-á minha amiga

domingo, 4 de abril de 2010

sob controle

A janela está aberta. Por ela atravessam visão e pensamentos absortos. Excertos de épocas passadas e anedotas retiradas não sei de onde. Vejo uma nuvem modificando a sua forma. Ela está aflita e vai chorar, penso. Sinto-me feliz e tranquilo. O vento pode balançar tudo, mas o que é forte permanece fixo. Durmo sem prefácio. Enquanto isso, a chuva em meu rosto diz que é preciso fechar a veneziana. A ignoro e permaneço imóvel. Porque sob essa água dançam as plantas de meu quintal.

quinta-feira, 25 de março de 2010

botas batidas

Desespero ao ouvir a voz nua, rouca, dizendo-me que preciso ir. Isso porque me faz recordar. Recuso-me a entender vontades e faço da minha ilusão um norte. Te devoro com esse olhar colérico e preciso desrespeitar os meus limites de ira e encontrar a tênue paz. Não quero ofendê-lo em pensamentos distocidos. Anterior a meus preceitos obsoletos a cada novo dia, crio morais para me dizer se estou certo ou não. Tudo isso cai por terra. É difícil caminhar pela mesma estrada. Ainda assim, há sempre novidades para observadores atentos. Li a mesma página duas vezes e entendi de formas diferentes. Isso é sinal de distração. Nada disso. O pensamento se desloca para tantos lugares e tempos. Desenha pessoas. Desenha você, sussurrando quando sento no sofá para contemplar a solidão. Minha solidão e a do gato. Faz frio na nuca e preciso aquecer o corpo solitário, já que não estás aqui perto. Tudo isso porque naquele dia, fechei o portão e nunca mais voltei. Querido, sinto falta da caneca de porcelana branca e vermelha que deixei na mesa da tua cozinha. Bata na porta de casa e venha com ela na mão. Entre para tomarmos um café. Daqueles das tardes de 68.

terça-feira, 23 de março de 2010

fruteira

Minha fruteira não dá frutos. Recebe-os. Acomoda-os, apenas isso. Nunca vi, em lugar qualquer, uma peça de porcelana gerar uvas, por exemplo. O máximo, são cacos quando ela se parte ao chão.

segunda-feira, 22 de março de 2010

dois pés

no asfalto
pés descalços
ardem em castigo
as solas sem sapatos
irritam a carne viva
pedem sombra e borracha
porque não aguentam mais
sustentar um corpo
moribundo
pesando
a cada passada
desmedida

terça-feira, 9 de março de 2010

beleza nas ruas

Pelas ruas desamparadas do centro da cidade, há desamparados vestindo ternos e gravatas em tons bordô. Há os, assim classificados, sujos e malvestidos. É difícil identificar o ponto em que todos se encontram. A conexão. Não sei, realmente, se estão desacolhidas. Os aparelhos celulares dividem conversas, separam pessoas. Alheio a isso, não há o que dizer sobre as passadas calmas de um velho. Se conseguisse andar mais depressa, assim o faria. Faz pensar: até que época da vida acelerou o tempo? Ironia. Contar os segundos e perder-se. Um casal se beija. Lábios nus em corpos com roupas de inverno. Chove dentro do peito. Faz sol na face dos amantes. As pipocas brotam das mãos do vendedor de jaleco branco. Brancas e vermelhas. Quentes e úmidas. A chave de casa prendeu-se à fechadura. Tenho um nome e uma foto 3x4 estampada num documento, perdido no criado-mudo. Um rapaz muito sério usava camiseta escrito "smile". Eu ri disso. Uma guria passeava de mãos dadas com sua boneca de pano. A vida é bela. Bela para ela, para mim. Bela em vinte segundos.

quarta-feira, 3 de março de 2010

passeio

suba às alturas de teus sonhos
desça à grandeza de ti
pegue água e beba
sinta o calor
sinta o frio
calce meias verdes
sapatos claros
tire-os
calce sandálias
chame um táxi
peça ao motorista para te levar
para longe
e lá, decida-se
não volte para casa sem saber
sem entender
o porquê de tuas dúvidas
sem pé
sem cabeça
sem resposta

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

aniversário

Hoje as cores serão espalhadas, esparramadas de qualquer jeito. Potes de guache vão se deitar sobre o piso de madeira envernizada. Rios de cores. Passarelas de gotas brancas cruzam por cima desses rios. Se eu me deitar e fechar os olhos, posso dormir. Quando acordar, recomeça um novo dia. Nesta data, não fugirei de nada. Nem mesmo do meu sorriso amarelo, o qual não posso pintar.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

samba

samba de um pé só
samba os dois
de mãos dadas contigo
soltas
com a solidão da melodia
pra cá
pra lá
samba com sono
com sede
mas samba
na corda bamba
não podes ficar

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

samba 1

Sambar é escutar os grandes mestres. Sorrir. Dançar com a companheira e brindar com amigos. Meu samba não se faz vulgar numa avenida, num colorido vendido. Piso como bamba. E piso firme. E leve. Porque naquele carnaval, o sambista é rei. Os súditos carregam as fantasias para as majestades. Majestosos. Depois desse dia, finda-se a folia, e só um campeão no meio dos foliões. Para a multidão, resta a volta para casa com caixa de fósforo ditando o ritmo e Cartola na cabeça. Isto, sim, é a recompensa por sambar de alma lavada.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

sobre tampas abertas e inícios

Tudo no lugar. Exceto a porta da sala fechada. Livro aberto no chão. Bloco de rabiscos liso e lapiseira com dez grafites. Uma xícara sobre a mesa. Os pés em cima da cama e chinelos deixados num canto, de ponta cabeça. Varal abandonado pelos pregadores. Açucareiro tampado. Tolha de mesa sem mágoas de café. Amanhã, vou para o trabalho à pé. Deixar as janelas fechadas. Promessa. O céu apresenta nuvens carregadas. Encerei o chão da casa e a chuva deseja molha-lo aos beijos. Minhas plantas estão debaixo da pia porque sua beleza me encanta. O seu silêncio me intranquiliza. Não tenho aquário e meus peixes não morrem. A viola está sem cordas. Assim, não há risco com os acordes. Nem composições, nem melodia. Sequer assobio. Decomposição da memória. Que dia é hoje? Meu nome? Endereço? Se houvesse espelho. Se visse minha imagem polida, me assustaria? Não há partida. Do contrário, viria o medo partido. Partindo-me. Sal em excesso aumenta a pressão. Pessurizado viajo de avião. Altura e vertigem. Fuligem em demasia. Não pedalo minha bicicleta. Há dois meses não chegam cartas. A caixa de correios não é aberta, pode haver sinais de algum passado. Perco o presente imaginando futuro. Camiseta branca. Sem erros na lavagem cores vivas mancham. Um "viva" para as tampas abertas. Do vazo, lixo, caixa d'água, do refrigerante. Excitante busca duma rotina descumprida. Ao avesso desconheço. Reconheço, renomeio, endireito, norteio os passos da vida.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

espaço público

o cachorro parou
olhou para o mendigo
este meneou a cabeça
o outro farejou
moveu o focinho pelo ar
para cima
para baixo
e foi embora
respeitou o egoísmo daquele homem
que havia tomado o seu lugar
na calçada de frente para o açougue
que não pertence ao açougueiro
nem ao mendigo
muito menos ao cachorro
não há espaço para mais ninguém

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

tempo, tempo, tempo

em meus ombros
os meses chegaram
com pressa
findaram-se os anos
depressa
vasculharei as décadas
esquecidas de viver
as recordações
e a poeira em minhas costas
repousarão em tardes intranquilas
em noites estreladas
em brisa beijando o rosto
mais outra vida
porque não aguento
meus lamentos
quero mais
tempo
tempo
tempo

não vejo

sento para não ficar de pé
sentado, preciso levantar
caminho com dificuldade
o peito dói
quando meu corpo vai me respeitar?
preciso desvendar as causas
sorrir para meu rosto sem olheiras
compreender as passadas difíceis
os movimentos lentos
acreditar numa fé própria
para esquecer o mal que isso me faz
espero uma cura
autocura
um milagre
não vejo
que santo me ajudaria
além dos três anjos aqui na terra?
Minhas asas doloridas
desejam alçar voo
leve, bem leve
entre pessoas incomuns
apressar o meu passo
sem que isso me aborreça
esmoreça
titubeie
não quero sentir a dor de meus músculos
quero minha coluna no lugar
quero correr sem marteladas
sem agulhas nos calcanhares
inspirar fundo
lentamente
inflar os pulmões
ao máximo
sem respirações curtas, de agonia
de adrenalina descontrolada
e quando não houver alguém por perto
ou estiver só
apavorado
que nada disso exista
nem mesmo em pesadelos
nem mesmo em devaneios

sábado, 30 de janeiro de 2010

estação

luz de outono em teus olhos
todo verão em teu sorriso
a primavera aflorece em meu coração
que não sabe mais o que é inverno
estão guardados os cachecóis e as blusas de lã
num canto do armário
e é lá que vão ficar
cobertos por flores brancas e amarelas

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

dez minutos

Será que chove hoje? Tuas sandálias dão mais leveza aos pequenos pés. Mas, se usá-las, as unhas à francezinha, delicadas, ficarão molhadas. Calce o All-Star branco. Vista a blusinha colorida. Está linda, meu amor. Sempre! Faltam dez minutos para às 14h. Corra para tomar o ônibus. Não esqueça o guarda-chuva. A saudade já aperta. Te amo tanto.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

sábado, 23 de janeiro de 2010

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

lagartixas

Sentei por um instante num banco. Acabara de chover. Uma lagartixa subia pela parede do prédio, parou e olhou para mim. Não perguntou nada. Sequer descobri o seu nome. As ruas estão desertas. Inverno? Parece um final de domingo, dia em que somente elas saem à noite. A consciência é quem condena os homens. E quem condena as lagartixas? Vou dormir sem resposta, enquanto ela permanecerá acordada. Sem dúvida.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

desabafo

E seu eu dissesse tudo? Tudo. Tudo. Sem esquecer de nada. O que farias? Calar-te-ia ou falar-me-iam os ecos de minhas próprias palavras?

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

autoconhecimento

Viu as estrelas espalhadas num pequeno campo através das nuvens que cobriam todo o céu. Amargurou. Perfurou o orifício do olho com agulha. Todo o conteúdo celestial escorreu pela Terra. Era o fim daquele tempo. Um adeus. Tornou-se altivo pelo desejo de destruir uma beleza intacta. O poder do homem não deve ser maior do que a própria natureza. Desejou a chuva. Um deserto chuvoso. Desejou chorar enquanto as gotas grossas e frias o banhavam em seu mar interior. O líquido salgado saia de seus olhos e ardia. Arrependia-se de todo mal que fizera a si. Detestou sentir-se, mas, agora, nessas condições sentimentais à flor da pele, preferia a bênção de seus pecados a carregá-los em seu peito. Levantou enquanto caiam alguns pingos. Os últimos. As nuvens eram passageiras. Não bloqueariam a abóbada celeste pelo resto da noite. Ao trocar de roupa, decidiu mudar de vida. Daquele momento, desejava conhecer tudo o que estivera distante dele: ele.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

desconversadeira

sentei de costas para você
desconversei
emudeci
quando virei o rosto
ameaçou dizer-me algo
progredi em meu silêncio
cabisbaixo
com medo de escutar
porque, só, ouvia
disfarcei
perdi
as palavras fugiram
contigo

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

energia

Suas mãos cobrindo os meus olhos. Todo universo particular numa pintura, de ponta a ponta. Dormi e saí sorrindo. Energia circular. Circulando renovada. Feliz, no meio de carrancas espalhadas pelas ruas, observei. De peito aberto, pensei em mim e em todos. Pensei em ninguém. Me anulei. Momento bom. Bom revê-la tão bem, natureza elevada. Tão bom quanto tomar sorvete de abacaxi e esperar por outra taça.