quarta-feira, 25 de setembro de 2013

quinzena da hora

mais um quarto
restam-me três
na sala
onde se contam os quartos

a hora
de quinze
em quinze
dita o tempo
dessa tarde

sei da demora
se distraio
porque perco a quinzena
quando saio

o relógio na parede
marcou o dia
a noite hei de fugir
para somar o tempo que perdi

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

noite sem luz

luzes da vida
interruptores desligados
causam-me espanto
os postes apagados
ruas escuras
sem reflexos nas poças
noite vazia
corte da energia

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

simples

um simples abraço
pode ser maior do que o mundo
porque todas as coisas necessárias
tornam-se o mais-do-que-tudo
bem mais do que eu e você
quando o esquecemos de fazer
e, sabe, nós precisamos tanto desse abraço

domingo, 15 de setembro de 2013

hora de lavar a roupa suja

roupas sujas na máquina
frases serão lavadas
todas as palavras hão de ser misturadas
molhadas com sabão
enxaguadas extraordinariamente
dez minutos a mais
nem dois litros de amaciante
farão com que elas fiquem mais suaves

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

theo

eu vi o meu filho nascer
o meu filho lindo
percebi o quanto a vida é grande
mesmo para alguém tão pequenino

vi o tempo congelar

quando o Theo estava ao colo da mãe
ele a chorar na sua melodia
os papais sentados na primeira fila

um elo se fez
numa promessa silenciosa
tive a certeza de ser eterna
e abençoada

entendi porque o amor é maior do que a dor
e porque o "eu" transforma-se em insignificante
perante ao que chega
para a vida inteira

terça-feira, 27 de agosto de 2013

saltitante

emoções saltam na pipoqueira
um filme guardado na memória
aquela música a qual nunca soube o nome

dentro do barco a remo
ligar o motor de popa
apontar para lá
rezar
a esmo navegar

tenho o total controle da vida
tenho o controle remoro da TV nas mãos

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

rumos

é tempo de ficar de alma lavada
mesmo quando estamos apenas com os pés molhados
(sabe aquela sensação de limpeza quando lavamos os pés?
você até dormiria assim, não é mesmo?)

é tempo de contar o dinheiro
e andar de cabeça para baixo, atento, para achar moedas perdidas
torcer para encontrar uma cédula num dos bolsos de qualquer bermuda
porque o mês está apertado e a nos apertar

é hora de saber que palavras desafogam uma pessoa
e causam um trânsito na família por alguém perder o senso de direção
o momento é desligar os motores e ir trabalhar com a bicicleta

mesmo com o calor, preciso desligar o ventilador que sopra em minha cara
ir para a rua e sentir o vento a secar a pele molhada de suor
sentir a camiseta molhada gelar

a simplicidade de um pão e a complexidade do sabor
o silêncio de um bebê que nos diz tanto
rugas dos velhos marcados pelo sofrimento
solidão de quem tem centenas de amigos

pensar
pesar

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

defenestro as ideias

quero defenestrar as ideias
deixar a mente em queda livre
sem prender os pés na janela

após o salto
abrir as asas
flutuar com a mente aberta
observar lá de cima

enxergar o abstrato da vida
o substrato que a deixa alegre
a monocromia colorida

suspirar se ainda tiver algum tempo
para aproveitar o momento
sem deixar a vida passar

sábado, 20 de julho de 2013

bossa do adeus

ah, se me lembrasse de você
e pudesse esquecer quem não fui
ah, essa dor no peito
anima tudo o que está desfeito
entre nós

se eu pudesse dizer
tudo aquilo que não disse outrora
quando abri a porta e fui embora
sem dizer adeus

procuro em você
o que eu nem sei
procuro calor para aquecer a dor
esquecer o frio de nós dois

vem para perto de mim
nada para o depois
agora somos dois

prefiro assim
não te afaste de mim
esqueça o que fiz
não peça juiz
para impedir o depois

quinta-feira, 11 de julho de 2013

imagino um filme mudo

a mostrar pés
descalços
calçados
a andar, a correr
pés parados
cenas internas, externas
com diálogos
sem fala
8 mm
16 mm
32 mm
tanto faz
muito gestual
conversas silenciosas
detalhes
metalinguagem com criança
com a minha criança
deixar ela mostrar a verdade para o pai (ator)
traduzir a esperança
mostrar para o ator dela
que ele engana
é enganado
faz um jogo de cena
imagino-me a filmar o meu filho
a conversar com ele pela lente da câmera
a baixar a câmera e olhar nos olhos dele
sentir o close up da verdade
por meio de quem ainda nem sabe falar
mas diz tanto
diz como dizem os filmes mudos
com aquelas mensagens eternas

domingo, 7 de julho de 2013

desilusão além da porteira

porteira aberta
prende quem anseia fuga
num embaraço
feito laço
amarra a consciência
sufoca a crença
ao acreditar
que a liberdade
do outro lado está

terça-feira, 23 de abril de 2013

domingo, 21 de abril de 2013

gentileza (e negócios)

no alto do prédio secular
uma velha a gritar:
- ó Maria, tens açúcar para emprestar?
e esta manda da janela de lá:
- tenho, mas não vou lhe dar
se eu fosse cobrar o que já te emprestei
um engenho terias de erguer
e escravos contratar
dez anos labutar
para tudo poder pagar

quinta-feira, 18 de abril de 2013

vá e veja

vá e veja
o animal
o homem
toda a natureza

não te sintas fora
se ainda não percebes
ficas calmo
não demora

o bom, o ruim
tudo está cá e lá
é para ti
é para mim

se não faz sentido
o instante é irrelevante

assim continuará
se houver infinito
o presente não mudará

sexta-feira, 29 de março de 2013

do vento, do mar (e o fim que virá)

não sopre como o vento
respire

tal como as ondas
sê forte

como o amor
arda às brasas

sinta-se firme à terra
ela não é o limite
apenas o fim

segunda-feira, 18 de março de 2013

ontem, amanhã e hoje

como se fosse ontem
lembrarei de mim amanhã
sinto-me bem por saber quem sou hoje

os descontentes

desatento
desajeitado
desleixado

equilibrado
equilátero
escaleno

sossegado
sonso
safado

contente
correto
covarde

ordinário
otário
operário

nada
novo
nunca

teso
tedioso
tenaz

eficaz
equivocado
eloquente

negativo
novato
narciso

teimoso
todo
tudo

ele
eu
equitativo

doce do mar

meus pés seguem pela areia
quando a água do mar os banha
em movimentos leves
feito lençol a descer sobre a cama
é como se a felicidade
viesse do sal 
junto com a brisa maresiana
para gentilmente adoçar a vida

memória dos outros

sempre que lembro
esqueço do esquecer
é verdade aquilo que dizem
recordar é mesmo viver (?)

coração sofrido

depois de tanto arder
das brasas
restam as cinzas

domingo, 17 de março de 2013

uma noite lisboeta

Lisboa anoitece
meu corpo padece
noutros tempos

luzes amareladas
nas paredes desgastadas
o avivar da alma

ruelas embalsamadas
pela atmosfera âmbar
segredam histórias de outrora

em ti vagueiam
inebriados pelo vinho
amados pelo Fado

terça-feira, 5 de março de 2013

pensamentos adversos, sem nexos, do sim e do não


terra de ninguém
essa terra não convém
se te encontrares com pessoas do além

dizem que em todo canto
tudo é igual
eu é que não vivo no mundo real

seres humanos imperfeitos
cobram perfeição

substitua o amor e a felicidade pela razão
dê vazão a sua vida
seja ela boa ou não

siga o seu coração
sinta o ritmo, a pulsação

por favor
não me peça para não sorrir
porque no dia em que eu deixar de sorrir
pode enterrar o meu corpo
porque de certeza morri

erre uma vez
para perceber que o outro
quando apontar-lhe o dedo
possa estar ainda mais errado

ele está perdido
desalinhado
desajeitado

ame a quem te disser não
será um auto-perdão

pobre do coitado negativo
porque não terás cativo

desarme-se da caretice
não me digas chatice

silêncio é necessário para dentro
quando do teu peito
sentires tormento

sexta-feira, 1 de março de 2013

nicoly

tua força de viver
me faz aprender
a desaprender
o sofrer

o significado da vida
não provém de palavra escondida
está nas pessoas
boas
iguais a você

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

contra id

infinitamente maior a mim
sou eu mesmo
sem saber
parte disso
constrói
destrói
o que posso
ou poderia ser

ao negar
parte vai-se embora
surgem rugas
dores no estômago
câncer

ao afirmar
o todo permanece
flutua à felicidade
estômago floresce
vida a renascer

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

corpo assado, coração frio

na grelha
uma posta
a carne humana
de um mendigo
de bosta
por conta do frio
seu corpo ali é assado
com ar quente e seco
proveniente da respiração
do estacionamento subterrâneo

fecho o meu casaco
aperto as mãos contra o peito
não por respeito
apenas para fingir
que não o vi
e fugir do ar gelado
proveniente da respiração
do meu coração

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

sábado, 26 de janeiro de 2013

com o ponto

o ponto final desaponta a continuidade da frase.
porém, aponta para um recomeço ou nos leva à perenidade daquilo que até então já fora escrito (e lido).

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

ponto

a descontinuidade da vida
interrompida
acordou com vontade de viver
de morder a vida feito maçã
enquanto o texto
aquele texto
recebeu um ponto final
sem retorno
hora de recomeçar

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

oração

gente feliz
chora
gente infeliz
sorri
resmunga para si
outro de si
o mundo não é meu
só teu
da vida sou aprendiz
é o que se diz
mesmo em silêncio
palavra ecoa
dádiva!
num momento de prece
se esquece
se levanta
e segue à toa

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

rugas são

sempre em desalinho para o homem preocupado com a idade, o tempo é um vilão para quem o controla ou deseja controlá-lo. rugas, meu caro, são tão necessárias quanto se faz necessário respirar. 

pescaria urbana

eu vi uma pescaria na praça de D. Pedro IV. era peculiar. numa das fontes, uma pessoa lançava um cordame à água cristalina que jorrava das conchas das mulheres-sereias. ali, onde centenas arremessam alguns trocos para os diversos pedidos serem aceitos, atendidos. ali, o produto dessa troca era içado por um anzol feito de pedaço de ímã. banhadas por aquelas águas, de lá saíam as moedas. aquelas pequenas metáforas dos desejos, iriam realizar alguns dos desejos do ávido pescador. o que a vontade nos faz? o que a falta nos causa? em que nos transforma a ambição? qual a necessidade que temos do que não nos pertence? fisguei essas e outras questões durante aquela pescaria urbana.