sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

aniversário

Hoje as cores serão espalhadas, esparramadas de qualquer jeito. Potes de guache vão se deitar sobre o piso de madeira envernizada. Rios de cores. Passarelas de gotas brancas cruzam por cima desses rios. Se eu me deitar e fechar os olhos, posso dormir. Quando acordar, recomeça um novo dia. Nesta data, não fugirei de nada. Nem mesmo do meu sorriso amarelo, o qual não posso pintar.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

samba

samba de um pé só
samba os dois
de mãos dadas contigo
soltas
com a solidão da melodia
pra cá
pra lá
samba com sono
com sede
mas samba
na corda bamba
não podes ficar

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

samba 1

Sambar é escutar os grandes mestres. Sorrir. Dançar com a companheira e brindar com amigos. Meu samba não se faz vulgar numa avenida, num colorido vendido. Piso como bamba. E piso firme. E leve. Porque naquele carnaval, o sambista é rei. Os súditos carregam as fantasias para as majestades. Majestosos. Depois desse dia, finda-se a folia, e só um campeão no meio dos foliões. Para a multidão, resta a volta para casa com caixa de fósforo ditando o ritmo e Cartola na cabeça. Isto, sim, é a recompensa por sambar de alma lavada.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

sobre tampas abertas e inícios

Tudo no lugar. Exceto a porta da sala fechada. Livro aberto no chão. Bloco de rabiscos liso e lapiseira com dez grafites. Uma xícara sobre a mesa. Os pés em cima da cama e chinelos deixados num canto, de ponta cabeça. Varal abandonado pelos pregadores. Açucareiro tampado. Tolha de mesa sem mágoas de café. Amanhã, vou para o trabalho à pé. Deixar as janelas fechadas. Promessa. O céu apresenta nuvens carregadas. Encerei o chão da casa e a chuva deseja molha-lo aos beijos. Minhas plantas estão debaixo da pia porque sua beleza me encanta. O seu silêncio me intranquiliza. Não tenho aquário e meus peixes não morrem. A viola está sem cordas. Assim, não há risco com os acordes. Nem composições, nem melodia. Sequer assobio. Decomposição da memória. Que dia é hoje? Meu nome? Endereço? Se houvesse espelho. Se visse minha imagem polida, me assustaria? Não há partida. Do contrário, viria o medo partido. Partindo-me. Sal em excesso aumenta a pressão. Pessurizado viajo de avião. Altura e vertigem. Fuligem em demasia. Não pedalo minha bicicleta. Há dois meses não chegam cartas. A caixa de correios não é aberta, pode haver sinais de algum passado. Perco o presente imaginando futuro. Camiseta branca. Sem erros na lavagem cores vivas mancham. Um "viva" para as tampas abertas. Do vazo, lixo, caixa d'água, do refrigerante. Excitante busca duma rotina descumprida. Ao avesso desconheço. Reconheço, renomeio, endireito, norteio os passos da vida.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

espaço público

o cachorro parou
olhou para o mendigo
este meneou a cabeça
o outro farejou
moveu o focinho pelo ar
para cima
para baixo
e foi embora
respeitou o egoísmo daquele homem
que havia tomado o seu lugar
na calçada de frente para o açougue
que não pertence ao açougueiro
nem ao mendigo
muito menos ao cachorro
não há espaço para mais ninguém

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

tempo, tempo, tempo

em meus ombros
os meses chegaram
com pressa
findaram-se os anos
depressa
vasculharei as décadas
esquecidas de viver
as recordações
e a poeira em minhas costas
repousarão em tardes intranquilas
em noites estreladas
em brisa beijando o rosto
mais outra vida
porque não aguento
meus lamentos
quero mais
tempo
tempo
tempo

não vejo

sento para não ficar de pé
sentado, preciso levantar
caminho com dificuldade
o peito dói
quando meu corpo vai me respeitar?
preciso desvendar as causas
sorrir para meu rosto sem olheiras
compreender as passadas difíceis
os movimentos lentos
acreditar numa fé própria
para esquecer o mal que isso me faz
espero uma cura
autocura
um milagre
não vejo
que santo me ajudaria
além dos três anjos aqui na terra?
Minhas asas doloridas
desejam alçar voo
leve, bem leve
entre pessoas incomuns
apressar o meu passo
sem que isso me aborreça
esmoreça
titubeie
não quero sentir a dor de meus músculos
quero minha coluna no lugar
quero correr sem marteladas
sem agulhas nos calcanhares
inspirar fundo
lentamente
inflar os pulmões
ao máximo
sem respirações curtas, de agonia
de adrenalina descontrolada
e quando não houver alguém por perto
ou estiver só
apavorado
que nada disso exista
nem mesmo em pesadelos
nem mesmo em devaneios