sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Natal

O Natal. Ernest Hemingway disse que "saberemos mesmo o significado quando estivermos distante de quem amamos". Na véspera desta data, um grande amigo, o qual eu não vejo há três anos, me ligou. Ouvir a voz dele foi como voltar no tempo. Conversamos e marcamos um botequim. Ao vivo se fala da vida. Se mostra a cara. Minha prima comprou um presente para mim: uma camiseta regata. Eu não percebi, ou melhor, não dei atenção ao gesto da pequena. Ela não sabe que não uso este tipo de vestimenta. Mas, presenteou-me. Lembrou de mim, de mais dois primos e da tia. Uma lembrança para cada um em embalagens incolores. A rua não mudou muito. Há pouco, muitas crianças faziam estripulias com bombinhas e estralinhos. Permanecerão ao varar da noite. Já estive com eles. Precisei ser eles. Aos primeiros minutos do dia 25, a família se abraçou. Isso me deixou feliz. Gestos permanecem do mesmo jeito que os deixamos. Da janela, um estrondo me chamou a atenção. Uma cascata de luz escorria pela atmosfera densa e azul anil. Meus olhos estão pesados. O sono me forçou a abraçar a cama ao invés de estar aqui. Minha companheira deve concordar com Hemingway; sente saudades dos pais e irmãos morando no Velho Mundo. O Natal ensina a prestar atenção em tudo e em todos que amamos e admiramos. Nos ensina a valorizar os pequenos gestos. Nos faz lembrar de sorrisos plurais dentro de uma sala cheia de pessoas. Enquanto estivermos todos por perto, mesmo que em pensamento, lembrarei desses dias e do presépio que a mãe faz ao ar livre. Todo simbolismo de amor esplícito em seus gestos. Em todos os pequenos, mas sinceros, gestos. Creio saber o significado do Natal, mesmo estando perto deles.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

diálogo com o sono, sobre ele e o cansaço de noites mal dormidas

Andei por aí sem saber em que pensar. Afrontei-me com as possibilidades, diversas, de poder fazer o que bem entender. Atravessei a rua e permaneci no mesmo estado. Insólito. Toda via é via de mão dupla. Todavia não necessária. O acaso apertou a minha mão direita. Quis acordar alguém dormindo na sala de jantar. Olhos fechados. Assim foi, durante a noite que dormira debruçado sobre a pilha de livros. Tentara descansar sobre as palavras. Sobre a biografia de cada autor. Toda obra é um tanto da vida e do imaginário de quem a escreve. A situação ficou calamitosa quando resolveu tomar um copo com água. Isso o irritou porque não sentia sede. O dia estava clareando. Pelas frestas da janela do quarto, manchas vermelho-alaranjada tingiam a parede lilás. "É hora de acordar", dizia a gravação vinda do aparelho celular. Abriu os olhos lentamente. Sentiu o calor de uma noite. Calor de sonhos que adoram pregar peças. Calçou os chinelos e um shorts puído. Foi até a cozinha. Esquentou água e dissolveu um sachê de chá de camomila. O descanso o cansa ainda mais. A ducha fria o despertou. Havia, ainda, todo um dia de trabalho pela frente. E pensar em permanecer com colegas bem humorados não dificultava a labuta. Isso, se fosse verdade. Na repartição pública era outra noite de pesadelos. Ou melhor, pesadelo de olhos abertos. Vista grossa para as contas. Tudo visto e palpável. Intragável situação. E assim foi assim até às 18 horas. Por volta das 22 horas, quando já em casa deitava em sua cama, o ciclo se iniciava. As olheiras mais profundas. Ânimo faltando na vida desse homem. Coisa de noites ruins. De vida ruim. Solidão é um prato vazio para quem o deixa cheio.

sábado, 19 de dezembro de 2009

obras

Envergando-me do vento que barbeava meu rosto, segui pela calçada. Pensei nesse um quanto de século vivido e percebi juventude e infância ainda presentes. Mesmo com tantos buracos no caminho e minha cara fechada, acreditava na mudança. Qualquer mudança é possível, meus senhores. Tropecei mais uma vez num buraco de aproximadamente dez centímetros. A vida é bem mais profunda do que isso. Precisei rir. Rir de tudo. Rir e sorrir para aquilo que achava válido. Ontem eu li que a verba para reforma do pavimento de pedestres em todos os bairros da cidade foi liberada. Espero, ansioso, que as obras comecem pela minha rua. Do contrário, não poderei seguir em linha reta; apenas em frente. As linhas retas não são agradáveis. Posso dizer que são nauseantes e monótonas. Acho que escreverei uma carta para o setor de obras e serviços públicos da prefeitura para deixarem a calçada como está. Algumas modificações alteram demais o curso natural da vida. Andar sem titubear. Apenas andar e seguir.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

desculpas escritas por alguém

Carta selada, endereçada. Uma declaração, um pedido de perdão, para a amada: "Como és bela, minha mulher. Sinto saudades do teu cheiro doce, pela manhã, quando tomo meu café. Sem ti por perto, o pão permanece aberto, sem recheio e gosto. Que desgosto. Volta logo para me fazer companhia. Prometo respeitá-la e não farei com que sintas nostalgia. Os dias serão como no início: sem ponto de chegada. E partiremos novamente para uma vida a dois. Só não me digas depois". Dez dias após, o envelope retorna. Uma recusa? Carimbo dos Correios. Três datas. Destinatário ausente. Mudou-se. Se foi. Não se sabe para onde. Se sozinha ou acompanhada. Palavras ao fogo. Um e-mail seria mais rápido e menos doloroso. O adeus, irreal.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

respirar

Acordou. Era o sonho se repetindo. A realidade lhe cumprimentando. Era acordar sem ar. O desespero saindo pela boca. Coração a todo vapor. O peito pesa e se amarra. Se imagina voando, solto no ar. Controlando respiração e equilíbrio. Haverá um novo talvez e sombras de dúvidas. Relembra quando a viu chegando. Sorrateira, forte, invisível e poderosa. Precisava lutar. Resistir ao desconforto de não enxergar as causas de tanta dor. Encontrar beleza para fugir daquilo que não sabe o que é. Abrir as janelas para o jardim da felicidade estável, mesmo acreditando que felicidade não é sensação, mas estado. Seja lá como for, a poeira ainda está em todo canto. Cabelos brancos dão sinal de espera e ainda chove na primavera. Dentro do meu peito, calcificando-se pelo que não vejo, sinto meu coração bater. E sinto a vida. Correndo ao meu passo lento. Assoprando uma vela, orando por vento. Pescando o leme de cimento.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

esquecer

Chegou à praia. A leste, avistou uma montanha verde imensa. Seguiu na direção oposta. Próximo ao perímetro de alcance da espuma branca na areia, viu-se perdida como uma concha rosa no meio de tantas outras brancas. Identificou-se com ela. Olhou para trás e percebeu as pegadas apagadas. Sentiu-se, brevemente, só. Ninguém a estava seguindo. Viu uma canoa à devira, presa por uma corda amarrada numa castanheira. O balançar nauseante provocado por marolas baianas a fez parar por alguns minutos. Uma brisa lambeu sua nuca suada. Pôs-se a caminhar novamente enquanto as novas pegadas sucumbiam-se à força da água fria e salgada. Sentou na areia, de frente para o mar, e acendeu um cigarro. Tragava quando as ondas vinham e soltava a fumaça ao retorno delas. Mandava a impureza para o oceano. Chorou. Não pela melancolia, mas pela certeza. As certezas geram tristezas quando se alcança a paz. Tirou a blusa de algodão e deitou na areia. Não havia sol. O céu estava escuro e ameaçava chuva. Fechou os olhos de óculos escuros. Levantou. Lembrou da mãe sorrindo e beijando-lhe o rosto. Quis a infância de volta. Fechou os olhos outra vez e pediu. O mar não deu. Resolveu voltar. Não reencontrou a concha. Ficou ainda mais triste. Decidiu ser mais decidida. O regime vai começar na segunda-feira, após retornar a São Paulo. Vai deixar de comer chocolate excessivamente. A análise será substituída por plástico-bolha. A montanha verde vai ficar para as próximas férias, quando estiver mais magra e deixado de fumar. Só estranha o fato de ainda sentir uma falta inexplicável.Ainda não se deu conta dos chinelos esquecidos. Seus pés estão descalços.

domingo, 22 de novembro de 2009

diversão no quadro

Está olhando para mim. Viro o rosto para disfarçar, mas não há parede que me cubra. Nem de concreto. Nem de ferro. Dentro da caixa ela está. De corpo de vidro contraste excessivo. Ela é de vidro. De vidro como a caixa. Minha mente reflete o meu reflexo refletido no falso interior. No vazio. Estou reflexivo. Nada de novo. No momento, apenas um novo canal. Mais vitrais se movendo em direção ao mundo real. Na TV, muita coisa é imaginária. Artificial é o modo de pensar sobre os artifícios do aparelho. A diversão do domingo da família do Manoel. Depois do almoço, o jogo. E esfera. E daí por diante. Não consigo enxergar o que tu queres que eu sinta daí de dentro, aqui por fora. A imagem está mais dautônica. Posso perceber a leveza da apresentadora velha. A leveza em dizer tolices e manter-se sorrindo. É o reino da agonia. Se as câmeras fossem vivas sentiriam vergonha? De mim? De quem? Alguém dá mais pelo menos que se dá? Um pássaro pousou na janela. Liberdade à memória vitrificada, com asas e moldura pintada de branco fosco.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

3x4

Não sou eu nessa 3x4. Não e definitivamente. Pensava não sorrir a escanteio. Meus cabelos costumam estar mais bagunçados. Minha tez branca tem esse brilho? O fash da câmera me banhou de luz e fiquei com a cara limunosa feito letreiro de butique. Se meus olhos permanecessem por tanto tempo abertos, certamente um problema sério de lubrificação no globo ocular me atingiria. Iria precisar de um bom colírio. Na foto, estancaram a minha imagem mais irreal: aquela com falsa preparação e tudo inacabado, ou acabado demais. A seriedade confiscou a alegria e o resultado veio em três minutos. Quatro 3x4 a oito reais.

sábado, 14 de novembro de 2009

toda teen

A mulher da capa da revista tem o coração no papel. Mostra os dentes clareados mesmo com anúncio da Coca-Cola. Seus cabelos anelados balançam ao vento produzido fora de quadro. Ela não sabe, eu ri do seu sorriso adolescente comprado. O título dizia: Jovem aos 40.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

último pedido

Com sede, subiu a ladeira. O coração acelerou. Caiu de joelhos. Última reza, pedido, perdão, suspiro. Tarde demais para um copo com água.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

o peso da chuva

A chuva se apresentou forte. À tarde, permaneceu tímida em meus ombros e costas. Não molhava e não provocava. Debaixo da marquise, as cordas de um violino, violão e violoncelo vibravam Mozart. Havia o coral das gotas de chuva nos capôs dos carros estacionados. Melodia pós-moderna tomada de assalto. Sons incidentais e experimentais entre natureza e homem. Tenho certeza, com toda a pretenção do mundo, de que os músicos não perceberam o furto. Minha atenção se deu ao conjunto da obra. Há tanta melodia nas ruas. Quando paramos (obrigados) por minutos num abrigo qualquer, podemos notar essa diversidade. Fui para o ponto de ônibus. Não havia a ladainha que existe em qualquer coletivo pela manhã ou no fim de tarde. Parece-me que nesses períodos as pessoas precisam desabafar. Quando chove é: - "... e essa chuva, hein? - Pois é, menina. A roupa no varal não seca". Quando faz sol: - "... que calor é esse, hein? - Pois, é menina. Saio do banho molhada de suor". Há quem fala demais e há os que ouvem demais. Há os silenciosos também e os de sintonia em seus fones de ouvido. Outros de olhos para os livros. Percebi que a maioria, quando retorna ao lar depois de um dia atribulado, anseia a recompensa da chagada. A minha foi encontrar a esposa me esperando com o guarda-chuva aberto e um sorriso que iluminou, às 22 horas, a noite; secou a minha roupa e aqueceu meu corpo. Tudo na medida certa. Antes disso, um homem passou por mim se protegendo com a bandeira do Brasil. Gozado isso. Foi como se a nação o cobrisse da chuva. O salvasse do alagamento em seu corpo causado pelas nuvens com olhos ardidos de fumaça. Uma nação inteira cobrindo as costas de um trabalhador cansado. Espero que, quando ele retornar à casa, possa escutar música e deleitar-se no colo da amada. Sem isso, a noite não passará de uma vontade de chegar e esquecer o domingo sem graça e monótono. Os sapatos dele pareciam pesados. Acho que foi por olhar para baixo. A chuva tem um peso diferente para cada um.

sábado, 7 de novembro de 2009

fôlego

Isso não é para mim. Não. Não e definitivamente. Eu sinto a tua vontade de ser grande. Sinto o desacordo. A dificuldade. Mas enxergo o resultado. A glória está a caminho. Junto virá a coroa de oliveiras. Sem espinhos. Vencer é o medo de se sentir derrotado. Ou o medo puro e simples. O medo faz com que vivamos à espera do final. Precisamos, enfim do fim. Precisamos nos separar dos extremos, sim. Pelos poros entram os compromissos. Logo atingem a corrente sanguínea e chegam aos órgãos. O cérebro é tomado. Inflo os pulmões. É para mim. Preciso de mais fôlego. Fôlego não. Talvez um copo com água ou taça sem vinho. Companhia para animar essa viagem com chegada e mais partidas.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

excerto

Pétala amarela. Chão verde. Quadrados brancos. Quadrados pretos. Lentes arranhadas. Meus óculos manchados deixaram a minha vista cansada. Cansei do amarelo das flores penduradas nas folhas verdes. Lá, no alto do velho tronco em frente a velha casa. O gato mirava o pássaro, que partiu rapidamente para o voo. Fuga. O gato ficou com cara de bobo. Que bobeira a minha, meu senhor. Trocar o amarelo pelo lilás das flores do jardim da praça. Visão rasteira. O censor rasteia aquilo que outrora permaneceu como fragmento da vida. As lentes não enxergam por mim. Sem elas, turvo trechos do cotidiano. Excerto a imagem real. Projeto o surrealismo. Vejo as mãos saírem dos quadrados. As pétalas sorriem. O gato deixa o pássaro e arranha o vidro preso nas armações de meus pensamentos.

sábado, 17 de outubro de 2009

apartamento

estranho o meu lar
aqui parece o meu lugar
vou para outro canto
meus pensamentos estão aqui
meu cheiro está aqui
raízes plantadas
e o verde da paisagem
aqui é alto, bem alto
aí é novo
estava um velho
nesse novo lugar
no terceiro andar
eu não vejo o mar
há um canal
um fio de água
e poucas árvores
margeando e afunilando
meus pensamentos
para o alto

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

água, cigarro e cinzas

Um cigarro boiando na poça d'água. Água na boca com tabaco e nicotina. Fumaça queima o nariz e arde os olhos. Água com sabão nos olhos também arde. Visão limpa. Olhos vermelhos. Brasa na pele. Água esfria. Ferida aberta. Marcada. Cinzeiro, cemitério de brasa. Poça, urna da chuva que faz boiar o cigarro.

a vida como ela é

Rosalva chegara em casa às 6h30 da manhã. Passara toda a noite dançando forró com mais de dez machos no bar do João. Marcos, seu marido, estava deitado no chão da sala quando ela chegou em casa. Ao lado dele, uma garrafa vazia de conhaque barato e maços de cigarro. Rosalva tropeçou no braço do dorminhoco e bateu com o rosto do sofá. - Filho da puta! Gritou a mulher. Marcos fez muito esforço, mas só conseguiu levantar a cabeça por dois segundos. A cabeça pesava. Não deu tempo de ver Rosalva correr para o banheiro para limpar o sangue que lhe manchava a cara. Ao invés de se assustar com o vermelho no rosto, começou a rir desesperadamente. Riu como uma escandalosa. Um desvairio completo. Passou uma toalha branca em cima do ferimento. Um talho de dois centímetros na parte inferior do olho esquerdo. Sentia o cheiro forte do sangue e cerveja junto com perfume e suor dos homens com quem varara a noite. Achava aquilo uma delícia. Um delírio. Resolveu dormir assim mesmo. Foi para o quarto. Atravessou a cortina que separava esse cômodo dos demais. Deitou-se na cama. Estava bem e feliz. Bem suja. Imunda. Tirou os sapatos sem tocá-los. Um no chão. O outro, no colchão. Apagou. Agora, estavam marido e mulher deitados. O homem também passara a noite na farra. Foi para a casa de uma prima de Rosalva, a Carlotinha. Fumou, bebeu, transou. Depois, voltou para o lar carregado pelo instinto. Ao atravessar a porta, deitou no tapete e bebeu o líquido que ainda restava da garrafa furtada da cozinha da amante. Por coincidência, também estava com um corte na face. Um corte que também sangrou. Manchou. Rosalva e Marcos já foram muito felizes. Viviam grudados. Quando completaram dez anos de casamento, resolveram se odiar. Amargar a mesmice da vida. Cada um decidiu que participaria apenas da vida dentro de casa. A vida externa era para cada um. A coisa começou pequena. A mulher saia com alguns e ele com algumas. Isso tomou proporções incontroláveis. Os prazeres carnais e mórbidos eram o que traziam alegria e razões para continuarem a viver. Ninguém entendia isso. Marcos acordou com dor de cabeça. Levantou-se. Jogou a garrafa contra o chão. O barulho dos cacos fizeram Rosalva despertar. - O que é isso, seu louco? Exclamou a mulher. Ele abriu a porta e saiu. Ela voltou a dormir. Ele voltou com uma garrafa de vinho e foi se deitar ao lado da companheira. Sim, eles dividiam o pão. Deu um beijo na sua testa. - Como foi a noite, meu bem? A pergunta saiu da boca dos dois em coro. Trocaram olhares e puseram-se a rir. - Hoje é domingo? - Sim, respondeu a mulher. - Pede cachimbo. - Hã? - Nada, nada. - Faz macarrão? - Claro. - Vou dormir mais um pouco. - Eu também. - Boa noite. - Mas o dia já está claro. - É um cumprimento habitual. - Gozou? - Não interessa. - Foi apenas uma pergunta. - Você quer quebrar o trato? - Não. - Então, tá. - Te amo. - Eu também. E assim era. E assim é, a vida como ela é.

sábado, 10 de outubro de 2009

breve inércia

O vazio no meu peito, inerte na imensidão de teus sonhos, se desfaz em meio ao caos produzido por pensamentos vagos. Me procuro. Encontro uma fuga na profundidade que alcanço quando me vejo em perigo. Desço dentro de mim. Subo ao topo do meu ser. Mentira. É difícil alcançar algo tão distante e abstrato. Sonhei ontem. De tão real, parecia imaginário. No tempo em que reservo para meu sono, permaneço mais acordado. É letárgico. Incontrolável leveza. As palavras explodiram em minha face. Escrevi e não gostei de nada. Não gostar do nada significa gostar de algo. O mais imcompreendido dos incompreendidos está aí, solto, pendurado nas paredes das galerias ou em baixa resolução na internet. A superfície do que me é vago paira em minhas perdições e incompreensões diárias. Detalhes simples, de decodificações complexas. Uma galinha não chocaria o mesmo ovo depois de nascido. Assim como um ovo não chocaria se não houvesse uma galinha para aquecê-lo. Um tiro no escuro, Chico, pode fazer lágrimas sangrarem. A casca de noz. Nós estamos em nossos pequenos universos, Sthefen. Temos medo, ou nos protegemos demasiadamente, da intromissão de outros mundos em nosso mundo. Há desespero e o grito não sai estridente pela boca até ferir ouvidos. O peito que estava vazio, se enche. Já estou cheio do vazio. O que fazer? Talvez, caminhar por aí, em busca das realizações dos meus sonhos sempre mais acordados do que eu, quebrando esta breve inércia.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

momentâneo

como um sopro
felicidade momentânea
na risada falsa do palhaço
em sua real tristeza

o desespero humano é aliado
amigo dos que questionam
um certo olhar malicioso
pode dizer quem és
em tua face
à meia lua estampada

felicidade
como um tiro no escuro
atinge a quem não espera
risos e aflição
aos perdidos, um caminho a buscar
na eternidade de um sorriso

breve
como a vida
difícil como a morte
despedida da tristeza
nesse gesto
inesperado

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

vidinha

Acorda o galo ao acender a luz da cozinha. Não há mais o velho lampião a querosene. "Banho frio deixa os músculos firmes", lenda herdada do avô. Dois dedinhos de café de coador, como a mãe lhe ensinou. Pão com manteiga caseira. Um beijo na menina que dorme como anjo. Vai lembrar disso durante a longa caminhada de quinze milhas. Solado do pé parece sola de sapato, rachado como riacho seco. Continuar a rotina. Domingo a domingo, sem dia de folga. Ficar ao lado de Maria, que reclama da vida, até enfartar um dia e não desfrutar mais do amor e das amadas. O único deleite, desse caboclo, é colher do chão e das árvores toda a sua vida entregue em enxadadas na terra vermelha, e rezas para Padre Cícero fazer a chuva cair.

sábado, 3 de outubro de 2009

mais

Fiquei contente em saber. Aliás, estou assim há muito tempo. É bom sentir-se bem. Em relação ao que não sei explicar, não me faça tais perguntas. Não te respondo. É visível que estamos aqui. Não de passagem. Nuvens passageiras só no verão. Esperem para ver o que acontece com quem não acorda. Aguarde o sal escorrer. Se vai como num sopro de vento na praia. Espalha areia em cima de um monte de areia. Reparaste como os dias parecem ter menos de 24 horas? Assim falo também das semanas e meses. Uma coisa é consequência da outra. Assim, sucessivamente. Acordo às nove horas e, quando dou conta, está na hora de ir trabalhar. O dia passa, hora de descanso. Também sinto algo que não sei lhe explicar. O corpo responde. Interpreta tudo o que lhe foi e é feito. "Você é o que você pensa". Pense bem nisso. Ande devargar nas horas em que tudo parece se apressar. Puxe o teu tapete. No calor, ande descalço. Isso não lhe fará bem se pensas dessa maneira. A grama é fria em dias de sol intenso. A água do mar é quente quando a temperatura está fria. O de sempre, por favor? O quê? O que é o de sempre? A vida é uma continuidade descontínua. Não se deve maquiar. Deve-se acordar e lavar o rosto. Não te preocupes com o que vier. Sabonete com creme hidratante tem um cheiro agradável. A louça está lavada e repousa no escorredor. Lágrimas escorrem do rosto de uma criança que espera o peito da mãe. Um sopro. Um vazio juvenil o acompanha por todos os lugares em que anda. Ciranda. Ciranda. Encontrei o lenço branco. Não caio mais em pranto. Sim, pode perguntar. Sim, ando contente demais. Além do que me cabe, cabe-me ainda mais.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

enxergar a vida

Ontem me disseram para eu ver. Rebati: prefiro enxergar. O primeiro ato é trivial. O segundo requer atenção aos pequenos detalhes. Existem sinais divinos? Sim, acredito. Ontem tentaram me convencer de que não vale a pena ser honesto. Preferi devolver o troco a mais. Não quero nada dos outros. Quero minha fatia do bolo. Meus goles de café. Minhas xícaras com chá. As crianças transmitem tanta vivacidade e ternura. Pensam ser assaz. Independentes. Velhos possuem a sabedoria da vida. E já estão quase a perdê-la. Se vão daqui para outro mundo. Lá ainda serão os velhos sábios daqui? Seria muito ptetencioso, ao ser humano, se ele pudesse voar sem auxílio de máquinas. Nadar já nos é o bastante. Não se respeita a natureza. Egoísta não é apenas o que pensa em si, mas o que pensa demasiadamente nos outros. Aspiramos o bem-estar de quem amamos e esquecemos de nos deixar ao estar deles. O cuidado deve ser mútuo para com todos. O pessimismo é não querer lutar pela mudança. Enquanto tudo está do jeito avesso, o melhor é reclamar e não fazer o que lhe cabe. Enquanto um adulto continuar a mentir para si, o mundo será uma grande mentira para ele. É preciso enxergar nossos objetivos e saber o que nos vale nessa vida.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

sonhos

Me é permitido. Então, presenteio-me com uma rosa. Arranco as pétalas de mau-me-quer. Restam poucas, as mais lindas. Se soubesses como divago o dia inteiro. Não sei ao certo do que recordo. Acordo instantaneamente. O instantâneo dissolve. De súbito, as folhas caíram sem permissão. Na mão, restou-me o caule vazio. Dois espinhos e um tapete agora branco. Adeus aos que se foram para seus lugares ou permanecem onde estavam. Permito-me abraçar a tua beleza, enquanto o chá esfria na xícara e o mate amarga. Teus versos se plantam em meu jardim. As flores hão de sorrir enquanto eu ainda estiver aqui, vivendo e semeando os meus sonhos.

conversa fiada

Vi que estava calado demais. Pedi: solta o verbo, criado-mundo! Silencioso, teimoso, persistiu quieto noite adentro. Eu, aqui, na minha cama e ele ao meu lado. Não me disse, sequer, boa noite ou durma bem.

estrelas de chuva no parabrisa

De dentro do carro, eu vi estrelas alternando a cor. Verde, vermelho, amarelo, branco. A chuva, com a sua intensidade, ora calma ora bruta, formava os pequeninos asteróides de água que iam de encontro ao parabrisa. Era a dança do universo. Se espalhava por todo o perímetro do vidro. Explosões multicoloridas. Cada partícula se despedaçava rapidamente e enchia de beleza o interior do veículo. Vi o céu bem de perto. Toda a negrura. O vaivém do limpador empurrava todo o líquido cósmico para o asfalto. A poça furta-cor de óleo parece o mistério do caleidoscópio. Um dos brinquedos favoritos na minha infância. Era água com derivados de petróleo. Descobri. É o fim daquele mistério. Visitei o céu muitas vezes por um orifício. Tinha meu céu todo para mim. As estrelas psicodélicas e nuvens com vértices arquitetônicos. Agora, a barreira criada pela fase adulta pode me impedir de desfrutar as belezas relembradas nesse vidro beijado por estrelas criadas por minha imaginação. Estrelas feitas de água que sobe e desce. Eu vi. E continuo a ver.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

portas

Ainda bem que há boca. Há conteúdo para se expressar e deixar a brancura de lado. Um linear se quebra e quem está do outro lado usa a máscara teatral do sorriso. Sorriso moldado em cerâmica. Não somos retangulares. A verdade assombra os fracos de mente. Fracos temem perder o que pensam possuir. É uma estratégia errada de defesa. Atacar sem analisar quem ou o que é alvo, e o principal: por quê? Pra que a humanidade deve avançar nesse ritmo? Continuemos assim. Todos nós. Caminhemos para um ostracismo, de casa em casa. Nos lares. Todas as portas e portões, janelas trancadas. Ninguém te abraça numa tarde de domingo. Abrem a porta e você permanece do lado de fora. Afastando o medo que trouxe. Na entrada me despeço de uma pessoa compenetrada numa TV. Era a sua diversão durante o trabalho. Não me recusou simpatia e atenção. Foi breve. Fui breve. Um mendigo fuma e manca. Passei por ele na ida e na volta por uma rua arborizada. Linda. Olhei nos olhos dele as duas vezes. Na primeira, tossiu. Na segunda, tragou. Sentou na calçada. Estava com as portas da casa abertas e se fechou para um mundo de portas fechadas. Trancafiou-se onde não há cadeados. Observa de fora os carros passando. Ninguém, ou quase ninguém, o nota. Pode incomodar por pedir um cigarro. Até então, passa despercebido. Não abre sua casa. Qualquer um pode chegar e tomar um café, cerveja. Sentar ao sofá e ver o tempo passar. Outros passam motorizando a vida, por qualquer lado. Atiram sorrisos com expressão séria. Um me atingiu de raspão. Lábios não se movem. Não sei se há conteúdo. Bocas caladas. Estou inquieto comigo por conta disso.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

macambuzio

A melancolia o toma por inteiro. Qualquer abrigo do mundo não serviria de refúgio. Dentro d'alma não há calor. Sente-se muito estranho. Hoje é quase impossível sorrir ou caminhar de cabeça erguida. No decorrer da tarde, o ato só acontece como uma tarefa mecânica ou caridosa. Nada de espontâneo ou alegre. Nada de instigante ou sedutor. Anda por aí, pisando num chão escorregadio e sem graça. Tenta não pensar em nada. Um cigarro aceso é lançado à sua frente por um homem de barbas brancas. A chama o leva ainda mais à tristeza que o persegue. Ela é sua inimiga. Sente uma sensação de letargia. Hoje é o primeiro dia que a sente dessa forma, intensiva. Chegam o medo e a tremedeira. Acha que, por ventura, pode se tornar crônica. "Ah, mas não vai mesmo", diz para si bem baixinho. Inspira profundo. Enche os pulmões. Falta entusiasmo. Ele decide ver o mar. A imensidão do oceano irá lhe trazer boas sensações. Agora, vibra por dentro. No caminho, recebe um panfleto. Lê rapidamente: compro ouro e jóias. Acelera os passos. Alguns metros adiante, tentam lhe vender balas de goma e drops. Recusa com um gesto. Vai atravessar uma avenida, mas os carros passam depressa. Demora para notar o boneco vermelho estático do outro lado da calçada. O boneco fica verde. Atravessa. Quer sentir o cheiro do mar. Num outro semáforo, o boneco está parado. Ele não veste vermelho, mas também para. Olha para o lado e percebe um cego. Segura o braço dele. Ambos andam devagar pela faixa de pedestres. Sem saber por que, lembra da mãe lhe dando conselhos de como a vida é difícil. Lembra de metáforas de sábios orientais sobre a existência humana e as artes para o alcance da felicidade. Os sábios devem ter razão. Desiste da água salgada. Compra uma Coca-Cola enlatada. Paga três reais e cinquenta centavos e acha um absurdo. Mal termina de tomar o refrigerante e um mendigo pede a lata. Ele entrega. O cara agradece. Carrega um saco preto cheio de outras latas. Ainda restam trinta e cinco minutos, de um total de 60, reservados à sua digna hora de almoço. Decide, então, almoçar. Para numa lanchonete asseada e pede suco de laranja, café puro e torta de palmito. A garçonete diz que só tem de frango. Então, pede pizza broto de mussarela. A combinação da cafeína e queijo o deixa feliz. Sorri sozinho. Bebe dois goles do suco. Paga. Os dois reais e quinze centavos de troco, pede em balas Frumello. Pronto. Está satisfeito. Sai da lanchonete para mais quatro horas de trabalho. Satisfeito com as pequenas coisas da vida. Por um bom tempo, não vai mais se sentir macambuzio.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Ana e o amor palíndromo

Ana ama Ana
Ana e Ana
Ana é Ana

Amigas em silêncio

As duas estão lá, fechadas dentro do quarto. Abafadas pelo silêncio. Silêncio inquieto que chega durante a noite. Em meio aos livros, DVDs de filmes e CDs, Clarice aguarda a amiga para prosear. Mostrar uma visão diferente do mundo. Fugir um pouco dele. Pressupostos. A conversa é feita pelo olhar. Assim tentam se entender. Discutem. Concordam bastante. Discordam pouquissimas vezes. Sempre atenta a tudo o que é dito, em silêncio, Loyola pensa em si mesma por meio da outra. É levada para o interior, ao inexplorado, até chegar ao novo. Provoca o estado tranquilo. Clarice ri para ela. Ri dela. Riem juntas. Chegam ao senso-comum. Comum? Mas não há equilíbrio. Em cada linha de prosa taciturna, há muito a dizer e entender. O cansaço tenta interrompê-las. Um livro é fechado. Os olhos não. O mundo é descoberto. Universo. Loyola deseja desvendar o que há nas falas da amiga. Coisas em comum. Fora do comum. Parecidas. O silêncio a questiona. São muitas perguntas. E não faltam respostas. Sobram. O silêncio está com ela. Não ao lado. Quer tira-la de um pensamento e leva-la a outros. Ciclo constante. Olhos pesados e secos. O barulho chega sorrateiro. Uma xícara com café frio cai e molha Clarice. Ela não se chateia. Gosta da mancha em sua pele branca. Faz o tipo dela. A janela é aberta. Uma brisa acaricia os cabelos soltos. Fumam cigarros para romper o silêncio. Há apenas o barulho do tabaco queimando e o riso interno de Loyola que se espalha rua afora, por toda avenida. Um cão late. Insônia. São quatro e meia da manhã. Loyola tatuou seu nome com tinta azul de esferográfica em Clarice. Deu um abraço e a descansou na cômoda. Breve apreço. Segue sozinho o silêncio até o nascer do Sol, quando as duas despertam mudas de mais uma noite de falação silenciosa.

expressas palavras

penso que esqueci
ou estou prestes a esquecer
apresso os passos
procuro o lápis e a pequena caderneta
não estão nos bolsos
guardo no pensamento
recordarei para escrever aqui
este instante
marcado com expressas palavras

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

em um minuto

Cambaleio dentro de mim. Sinto as pernas fracas. Elas mal conseguem sustentar o peso do meu corpo. Sento numa cadeira preta para descansar. Penso. Os pensamentos desordenados e a vontade das coisas voltarem para a sua ordem. Paz. Meu corpo quer relaxar. A cabeça dói. Sensação de enjoo. Imagino uma escadaria de mármore branco. Uma luz forte rebatendo. Pontos luminosos. Não há corrimão para subir. Apenas para descer. Existe essa ordem? Costumo subir pelo centro. Uma mãe empurra o carrinho do bebê em direção ao elevador. O futuro demora para caminhar com as próprias pernas. As minhas já estão fortes novamente. Foi apenas uma síncope. Um minuto de agonia parace eterno.

sábado, 19 de setembro de 2009

afobação

Esse ar quente e úmido, sufocante,adentra pelas narinas. Segue até os meus pulmões. Seca as vias respiratórias. Sigo caminhando lentamente. Os carros arrastam a sujeira encostada na guia e uma cortina preta me cobre. Tusso. Ou tento tussir. Tenho sede. Não tenho água. Tomo minha condução. Por alguns segundos, as pessoas me olham. Procuram algo em mim. O que posso oferecer a elas? Sorrio largamente. Não sei se me retribuem. Sento. Abro meu livro. "O homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas não derrotado", escreveu Ernest Hemingway. Sim, ele escreveu. Está em "O Velho e o Mar". Também tenho minha ligação com o mar. O cheiro e a película da maresia me acalmam. Concentram-me em mim. Me transportam para outra dimensão; um mundo diferente. Um lugar onde existem apenas as pessoas e as "coisas" que amo. Coisa é uma palavra feia. Parece designar algo feio. O mar, agora, está a poucos quilômetros. Mas, distante. Hoje, estarei mais próximo das rochas verticais. Frias. Lugares bastante habitados e cada vez mais sem vida. Aglomerado de almas se misturando sem "bom dia" e nomes. Apenas números. O vizinho do 42. Parecem produtos fabricados em série, codificados. Código de barras. 9788528607598. Salto do ônibus e, para minha surpresa, o céu ainda está claro.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

17h45

Fernando tinha um problema sério com horários. Vivia atrasado e não conseguia controlar o seu tempo. Desde a época da escola. Desde quando marcava encontros na adolescência com os camaradas e as garotas. Tentou de tudo para reverter isso. Despertadores analógicos, de corda, com som estridente. Digitais, daqueles que podem ser programados para tocar dezenas de vezes e com variados tons e músicas. Bips. Celulares de todos os tipos, com viva-voz. Certa vez, depois de perder a hora do casamento do irmão, o desespero foi seu companheiro e lhe sugeriu uma excelente ideia: contratar uma secretária. "Por que não pensei nisso antes?". Ele explicou a história a uma amiga. O trabalho era fácil: ter apenas uma cópia da agenda de Fernando. Ela aceitou, movida mais pela comoção em saber dos apuros do amigo e querer ajuda-lo, o "emprego". Mas, de nada adiantou. Nada adiantava. Mariana era muito eficiente. Detalhava tudo ao "patrão". Endereços, nomes, e o principal: o horário. Mari, como Fernando a chamava, ligava duas horas antes e passava as informações. As repetia uma hora depois. Relembrava-o faltando meia hora. Não tinha jeito. Fernando era completamente absorto. Avoado. Devia ser alguma doença. Será uma doença desconhecida? De repente, início de Alzheimer. Depois de conversar com Mari, a dispensou do serviço e agradeceu. Sem saber mais o que fazer, olhou para o céu e gritou suplicando: o tempo deve parar. O tempo deve parar! De repente, as nuvens começaram a se mover rapidamente. Escureceram. Trovões. Raios. Uma chuva intensa. Fernando pensou que aquilo era um sinal ao seu pedido. Pensou que o tempo realmente congelaria. Olhou para o relógio e, para sua surpresa, os ponteiros continuavam a se movimentar em segundos, minutos. 17h45. Acordou atrasado. Estava atrasado. Aos sessenta e cinco anos, Fernando continuava atrasado. Na segunda-feira, dia de seu aniversário, ele disse: "o tempo deve parar" .

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

felicidade

O segredo da felicidade está guardado no sorriso verdadeiro de qualquer criança.

Sem sono

Desejo dormir, mas meus olhos não cerram. Permanecem por muito tempo abertos. Bem mais do que eu queria. Pensei o suficiente como foi o meu dia. Filtrei as coisas boas e as ruins. Balanceei o aprendizado e descartei o imprestável. Já conheço todos os detalhes noturnos de meu quarto. E, por incrível que pareça, ainda me assusto com a sombra do mancebo. O cachorro, aparece caminhado como quem acabara de acordar. Mostra que está ali, depois volta para seu canto. A mente sabe as melhores horas para conseguir te controlar. Ao tentar dormir, é um desses momentos. Mente filha da mãe. Preciso descansar e ela quer que eu converse. Há de se entender. Quando nos mantemos ocupados, não temos tempo para ela. E isso pode ser chato. E é. Tenta dormir com um milhão de pensamentos ordenados, desordenados, coisas palpáveis ou não. Desejos. Metas. Medos. Anseios. Creio que todos sabem muito bem o que é isso. O melhor mesmo é desencanar do sono. Ou melhor, deitar-se quando a batalha entre sono e mente está sendo vencida por aquele. Acho que vou levantar e tomar um cálice de vinho ou uma xícara café. Não, não. Dizem que café "tira" o sono. Mas bebê-lo quando não se tem sono, é bom. Bom mesmo seria conseguir dormir. Descansar. Não dá para ler de madrugada. Assistir a bons filmes é possível, mas não quero. Não agora. Já sei! Vou fingir que não estou a fim de descansar e a mente vai me deixar dormir. Usarei de psicologia inversa e verei se dá certo. Por essa noite, não quero mais observar o meu mundo aqui do quarto.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Acaso

Próximo à costa nortesde de um arquipélago desconhecido formado por três ilhas, Alice folheava um mapa da cidade de São Paulo. Desejava encontrar a direção da Avenida Paulista, onde marcara um encontro numa cafeteria. Não iria ajudá-la, mas era a possível salvação para a estudante de Física Quântica. Assim pensava. Sem sucesso, pois estava com fome. Não comera desde quando saiu de casa para o compromisso. Na porta de sua residência, um veículo parado tinha a seguinte frase: "Para o lugar mais distante em apenas vinte minutos. Tabelado: 20 reais". Entrou, sentou. Pagou. O carro saiu rápido. Não deu tempo de passar o endereço ao taxista. Chegou às ilhas. Desceu. Não sabia o que fazer. Pegou o telefone celular e ligou para a empresa de transportes náuticos. Pediu um "táxi" com urgência. Perguntou quanto era a corrida para São Paulo. Obteve a resposta: "Depende, moça. Eu preciso saber a sua localização". Nesse instante, Alice percebeu que estava perdida.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

questões

O mundo parecia meio nebuloso nesta manhã. Acordei com dor de cabeça e sentia uma leve impressão de não saber o que fazer. Então, fiquei deitado por mais tempo que o habitual. Estou de folga do trabalho. A vida, hoje, deveria ter algum sentido diferente. Essa impressão. Não sei ao certo. Tentei entender o que estava acontecendo. A incerteza sobre o que é a vida permanece viva como a nossa pele, por exemplo. Aos poucos, vai perdendo a elasticidade mas permanece ali; cumprindo o seu papel. Se alguém com mais de noventa anos me disser que viver não vale a pena, sentirei uma breve desilusão por essa pessoa. Não quero chegar assim, perdido ou frustrado. Quero chegar bem. Estar lá, no futuro, com muitas dúvidas e questões sem respostas. Nem toda a certeza do mundo acoberta as incertezas. Nem toda garantia é garantia de dar certo. Agora, isso me vem quando os olhos daquela menina estão próximos. Seus olhos escondem a carga de um amor que a machucou. Que ainda machuca. Uma ferida que faz perder o gosto do sorvete. Dor incessante. Não quero isso para ela. Não merece a desilusão. A cobrança. A culpa que não a pertence. Todo ser humano nasceu para brilhar, disse Veloso. Ela também vai brilhar. Para mim, brilha intensamente. Traço paralelos. Trago para mim. Receio fracassar como filho, marido, irmão e amigo. Fracasssar como ser humano. Mas sigo em frente. Mesmo quando as manhãs nascerem como hoje. Lutar pelo que quero. Pensar nas pessoas boas que conheço. Humanos importantes para o bem-estar da natureza humana. E tentar mostrar para eles que todos temos nossos tempos ou dias cinzentos. O colorido existe. A vida está aí, no dia-a-dia.

à minha mulher

Não há beleza como a tua, Camille. Não há encontro mais marcante que o da tua face com lábios, olhos, cílios e nariz. Não há pele, cheiro, sabor, cor, que contraste aos teus traços de mulher perfeita-imperfeita. Explicíta e implícita. O sorriso de Camille é eterno. Assim é o meu amor por ela. Infinito entre os dias. Soma incalculável. Arte incompreensível. Natureza viva. Vida pulsante. Poesia completa. Prosa interminável. Obrigado, esposa, por ser a minha parcela feminina mais completa. Ser o próximo no sentido denotativo desta palavra. Obrigado por distanciar de mim toda a feiura que o homem criou no mundo. Obrigado por espantar os meus medos e ser o pedestal que não me deixa abaixar a cabeça. Muito obrigado por permitir andar ao teu lado, de mãos dadas. O mundo gira de maneira diferente, mas tu és minha bússola para uma direção segura. Contigo, eu não defino tempo-espaço e posso aprender o que é o agora.

importância

folha molhada
dispensa a gota d'água
que alcança o chão
molha a terra encharcada
apenas mais uma gota
não faz brotar feijão

ao meu amigo

sentimentos vivos
em amizade
te provoco com bobagens
e você ri

a beleza está em ti
gravada em teus pés
em sandálias de couro sobre o asfalto
entre os transeuntes cegos
parados no sinal verde
desejando, apenas, chegar ao outro lado

mundo e imundo precisam abrir a mente
enxergar o que há
conhecer
amar

sinto verdade
quando beija a minha face
e me abraça

seu verbo é ação
imperativo
sempre transitivo
na vida de seus amigos

domingo, 13 de setembro de 2009

ação do vento

o vento leva e traz
dançam as folhas das palmeiras
do canteiro central
da avenida principal

observo da janela do ônibus
devagar pela mesma avenida

me leva e traz

faz frio de algum lado
há causa e efeito
mas não sou a palmeira
conduzida pelo vento

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

pausa na padaria

Procuro algo mais nesse pão-na-chapa acompanhando a xícara com café forte. Algo parece perdido na imensidão dessa pequena refeição. Pausa na padaria para alegrar o meu dia. Apoio os cotovelos no balcão de mármore. Oito sabores da Nestlé. Mais sabor em minha vida. Alguém escuta a Voz do Brasil? Migalhas no prato. O tempo foi consumido em menos de dez minutos. Acerto a minha conta. Não esqueci de comprar os cigarros. Apenas não fumo. Lá fora, uma garoa fina. Aproveito as marquises. Passos lentos não aceleram a volta para casa. Vou dormir sem as respostas para as perguntas desse dia. Tudo recomeça amanhã.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

bênção artificial

Nuvens carregadas despejam água para lavar o meu rosto. Limpar a atmosfera. Tirar a sujeira das ruas. Não entendo o recado. O guarda-chuva permanece aberto. Me protejo no abrigo do ponto de ônibus. Não quero me molhar. Não dessa forma, vestido. Chego em casa. Entro no box. Debaixo do chuveiro, fecho os olhos e sinto a chuva artificial banhar-me da cabeça aos pés. Recebi a bênção morna. Estou renovado. Nada como uma ducha depois de um dia atribulado. Nada como negar o natural e controlar a sua vida.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Eu o vi. Sentado no chão, sujo, esquecido e mal vestido. Mastigando um pão velho ou algo parecido. Velho e pão velho. Íntimos. Próximos. Mendiguei mais de mim. Mendiguei meu lado humano. Foi preciso o choque. Estivera morto. Ergui a cabeça. Ele levantou-se. Seguiu cambaleando paradoxo à linha contínua, traçada por mim para fugir do que não desejava ter visto.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

só, no botequim

Marcelo tem 33 anos. Numa mesa de botequim, sente saudades dos amigos que não teve. Lembra-se do sorriso daqueles que não conviveu. Personagens inanimados, inatingíveis, permanecem presos à memória. Inadequados em seu tempo-espaço. Não saem de perto. Não estão por perto. Nunca estiveram.
Há poucos copos. (Os copos existem e conversam. Se aproximam da boca. Beijam.) Apenas um, na verdade, que divide com ele o conteúdo líquido da garrafa. Não há mulheres, pessoas com padrões estéticos, não há pessoas sorrindo e ele não está numa praia vestido com calção de banho. Apenas na TV e nos cartazes colados nas paredes a cerveja oferece acompanhantes, amizade fácil e sensação de felicidade intensa. A ruiva com olhar felino da Antarctica o encara. Ele disfarça. Foge da loira da Kaiser para não ter dor de cabeça.
É noite. E está agradável. Marcelo conclui que não há divisão para um. Isso é nostálgico e filosófico. Em toda mesa com bebida e copos cheios há filosofia do cotidiano e grandes filósofos anônimos. Um velho passa e sorri com a máscara da felicidade disfarçando a agonia interna.
Pensamentos. Devaneios. Realidade. Essa sequencia lhe traz um vazio letárgico momentâneo.
Recorda. Acorda. Recorda. Nesse jogo, percebe que a bebida esquentou. Pede mais uma. Garçom, por favor, me traga outra cerveja porque essa beberam por mim.

sábado, 29 de agosto de 2009

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

(re)mutação

larva
no casulo ganha asas
borboleta
no redemoinho perde as asas
larva

gjamarra

morre-mata. morre-mata. morre-mata. morre-mata
mata-morre. mata-morre. mata-morre
morre-mata. morre-mata
mata-morre
morre
mata
morre-mata
morre-mata. morre-mata
mata-morre. mata-morre. mata-morre
morre-mata. morre-mata. morre-mata. morre-mata

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

homem sagaz

anda depressa
cabeça de pé
passos a-pon-ta-pé
segue
pisando
aponta
o dedo
não olha
para si
alma
parece
não ter
homem sagaz
de pensamento
tenaz

terça-feira, 18 de agosto de 2009

página policial

Tempos duros. Marcelo Trivinho, famoso engenheiro civil de Engenópolis, tivera de dar adeus à fortuna. Fernando Abreu, advogado, amante de Dulcinéia, sua esposa, planejou um esquema para furtar tudo o que pertencera ao antigo patrão; inclusive a ex-mulher. A empreitada deu certo. Individado e amargurado, Trivinho vendeu a empresa. Quitou todas as dívidas trabalhistas. Com o restante do dinheiro comprou um quarto-e-sala no cento daquela cidade. Lugar horrível. Com o moral abatido, deixou a carreira construída com muito trabalho, bons contatos de diretores de estatais e pequenos subornos em licitações públicas. Arranjou um emprego num posto de gasolina. Abastecia os carros. A única coisa que lhe rendia felicidade era estar em casa e tomar um Martini. Quando rico, chegava em sua mansão, tirava a gravata, punha os pés numa alfomofada confortável e pedia para a empregada lhe trazer um drink. Antes, com duas pedras de gelo e uma cereja. Hoje, a bebida desce seca. Amarga. Direto do gargalo para os rins trabalharem. Depois de longos goles, entorpecido, adormece. Acorda com a mesma dor de cabeça de sempre. "Por que Dulcinéia fez isso comigo? Por que ajudou aquele verme a tirar tudo de mim? Além de tudo, a puta foge com ele!". Antes de ir para o trabalho, gostava de escutar Billie Holiday (sim, ele tinha bom gosto para música) e acompanha-la tocando gaita. O som lhe trazia nostalgia. Lembrava de quando ganhara o instrumento. Um presente do pai. Triste, começou a beber novamente e dormiu. Acordou às seis e dez da tarde. Demorou algum tempo para assimilar a falta ao trabalho. "Amanhã eu vou". E voltou a dormir. No dia seguinte, o patrão lhe despediu. Não adiantava argumentar as faltas consecutivas durante uma semana, o uniforme sujo e fedido e a aparência horrível. Pegou os trocados de direito e parou no primeiro boteco. Pediu Martini. Ganhou uma risada cínica do balconista. "Aqui só tem Pitu". Dá uma garrafa dessa merda mesmo. E mandou ver. A noite chegou e Trivinho pediu mais uma garrafa. A colocou debaixo do braço e foi embora cambaleando. Não voltou para o apartamento imundo e mal conservado. Ficou ali mesmo, na sarjeta. Se alimentava cada vez menos e bebia mais. Gostava das ruas e sentia um certo prazer boêmio. Pedia esmola durante o dia para reverte-la em cachaça. "Pura, por favor". Na roda, com os inquilinos mendigos, tocava gaita em troca de uma bebidinha. Sentia-se cada vez menos só e traído.
Uma noite dessas, perdidas como todas, acordou com um cachorro a lamber o seu nariz. Trivinho ficou puto e deu uma bofetada no bicho. Ele ganiu, mas continuou a lambê-lo. "Sai, cachorro". O bicho não saiu. Foi se aproximando e deitou mais perto. Os dois dormiram. Na manhã seguinte, houve uma conversa entre cão e homem. Ambos se entenderam rapidamente e tornaram-se amigos. Trivinho tocava gaita para seu novo companheiro. "O seu nome vai ser Pinga porque é a coisa que eu mais gosto". Este uivava incomodando quem dormia na marquise da antiga fábrica de vidro. Agora, o lugar servia de casa para moradores de rua e viciados em drogas. Os dois acabaram sendo expulsos do local. Andarilhos, encontraram um chalé, ou o que restava, abandonado. Foram para o porão. A rotina era a mesma. Durante o dia uns trocados e à noite, pinga e comida barata: coxinha e pão com mortadela. Tudo no bar do Tião. A vida foi sendo levada assim. Trivinho já não sentia falta do velho padrão de vida e não se questionava ou tentava entender porque as coisas aconteceram daquela forma.
Numa certa noite achou uma nota de cem reais e foi até o bar do velho Tião para se alegrar um pouco. Bebeu o que aguentou. Pagou algumas rodadas e, com o restante, comprou mais bebida para levar ao porão do chalé. O recanto. No caminho, alguns cães atacaram Pinga. Trivinho foi defender o amigo e recebeu dezenas de mordidas nas pernas. O cão perdeu uma orelha. Ambos conseguiram andar até o lar. Trivinho sentia as pernas inchadas e dores horríveis. Sentou no seu canto do chalé e pos-se a beber. Quando acordou, as pernas estavam piores. Ele não ligou. Ainda tinha cachaça. Os dias foram passando. O cheiro das pernas emputrefando se sobressaia ao da sujeira, suor e cachaça. Não se tinha de comer. E pior, nada para beber. A febre castigava Trivinho. Tinha miragens. Lembrava incessantemente de Dulcinéia e Fernando Abreu. Queria vários litros de Pitu, mas não se tinha uma gota. As pernas não mechiam. O suor escorria pela face. Sem ter o que beber, a fome lhe castigava. Não conseguia levantar. Pinga chegou da rua. Deu um olhar triste e fiel, como apenas os vira-latas sabem, e deitou próximo ao dono. "Preciso comer", gritava. "Preciso de uma bebida". Ninguém ouvia. O desespero o possuiu. Trivinho não parava de pensar que fora traído por sua mulher. Tinha raiva. Não parava de sentir aquela dor terrível causada pela inanição e abstinência da cachaça. Não sentia as pernas. Olhou para a cabeça de Pitu. "Eu preciso comer". Colocou a mão no bolso direito das calças velhas, puxou a gaita, estendeu-a ao máximo e...
A manchete do dia seguinte: "Polícia encontra engenheiro morto por asfixia". No decorrer da matéria pode-se ler: "... as investigações terão início hoje. Precisamos saber como a gaita foi parar na garganta do engenheiro Marcelo Trivinho, esclareceu o delegado".

sábado, 15 de agosto de 2009

rotina quebrada

No caminho, um cubículo. Parede externa verde, descascada. Desgastada pela ação do tempo e falta de ação do homem. Porta e janela apenas. Sempre ali. Não vi. Lá dentro, Nelson Gonçalves. ["Ei! Ei! Pare! Pensei"]. Doei atenção por alguns míseros segundos. Nelson merecia mais alguns minutos. Avivei a alma. Senti nostalgia ali. [Ei! Ei! Ande. Para aonde?]. Tomei um tapa da pressa. Segui a passos largos com a rotina puxando-me pelos braços. Aquela voz ainda ecoa e muda o meu dia.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Celeste

Do meu canto observo-te. Meu mundo em teu mundo azul. Cor natural. Cor artificial. O cinza o toma. Aonde foram as nuvens psicodélicas? Se movimentam noutros mundos? Nascem de outras águas? Não habitam mais aqui? Vou recortar um pedaço de céu visível e guardar na memória. Numa tarde de brisa e chuva futurísticas, aqui em meu canto quadrado, imprimo minhas memórias em papel reciclado e faço um quadro para lembrar Celeste.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

olhos de vidro

O velho cego pede esmolas dentro do coletivo. No coletivo se pensa só. A companheira dele recolhe o dinheiro. Pouco. Barganha ruim. Saltam. Chega outro ônibus. Embarcam. Está cheio. Mais pedidos. Música de gaita. Nova coleta. A visão da mulher parece deixá-la cega. Nessa viagem, a quantia foi maior. Isso é o que importa. A oratória e a retórica daquele senhor, que parece se fazer de vítima, lhe vendem a vida. Suas palavras não saem da minha cabeça. Um salmo fácil de decorar: "... o Senhor é meu pastor e nada me faltará...". Agradece, abençoa e vai. Tive a sensação de ter olhos de vidro.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

poeta

Com caneta empunhada, deslizo a ponta sobre a folha amarelada. A tinta preta grava os sentimentos, o enxergar a vida. Encanto homens e mulheres desvendando a simplicidade escondida. Na natureza e no humano, pinço beleza. No concreto, reto, tiro silhueta. No cair das folhas, escrevo narrativas homéricas. Sinto o gole da cachaça do bêbado. O perfume das flores na calçada. A forma das nuvens. Gotas da chuva e terra molhada. A dança das folhas. Pés descalços na lama. Cores. Amores. Dores. O suor do trabalhador. A sede e a fome. Congelo tempo e espaço para permanecê-los eternos. Sei sonhar. Construo a minha realidade. Faço meu tempo. Sou poeta.

presença

aquele que escreve
sente
quem não escreve
ausente

pescaria

bambu cortado
balança a linha
na ponta o pescado

meus dizeres mínimos

eterno para mim
efêmero para ti
este fenece aqui

distração

O vermelho de tua blusa molhada tingiu o reflexo da vitrina. A cor rebuscada na tonalidade e efeito, causados pela chuva, provocara aqueles que apenas passavam. Teu sorriso. Teu único sorriso ferira as almas distraídas naquela manhã cinzenta de terça-feira.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009