segunda-feira, 16 de agosto de 2010

mudança de vida

o mundo é ruim. é ruim quando você acorda atrasado e deixa de tomar café com a esposa e filhos. É pior ainda quando não se deseja um "bom dia". o mundo é vergonhoso quando você faz confusão com o nome do porteiro do prédio. hora o chama de José, hora de Sebastião. e nem sequer se dá conta da má educação. por falar em má educação, o mundo se torna insuportável quando sai com o carro em direção ao trabalho e funde o motor ou fura um pneu. meu deus! xinga-se até os antepassados. insustentável é o trânsito. lento. mas, não resolve ir de metrô, trem ou ônibus. não cai na onda de poluir menos, ser mais seguro. quando, na verdade, é sufocante, cheio, quente, insuficiente, mal planejado entre tantas outras falhas. é caro. daí, resolve comprar uma bicicleta porque além de não ter gastos, vai praticar uma atividade física. e está na moda entre os executivos descolados. que maravilha! mas a decepção aparece logo no primeiro dia. São Paulo amanhece sob uma torrencial chuva. então, apela-se, pelo menos até melhorar o tempo, ao carro. a chuva só durou alguns minutos. logo após sair de casa, o sol pôs-se a brilhar e o calor na selva de pedra aumentou. tudo bem, gira-se o botão do ar condicionado e relax. o ar não funciona normalmente. o aparelho responsável pelo resfriamento está descalibrado. então, descondiciona ainda mais o teu comportamento. você já chega irritado ao escritório e suado. entra na sala e uma pilha de papéis, mesmo na era digital, lhe aguardam em cima da mesa. você liga para a sala da sua secretária. ela mora na Zona Norte, estuda inglês a madrugada inteira porque ouviu de você que era absurdo não dominar essa língua. só que Silvia perdeu a hora por sleep on the table. está desesperada porque esqueceu de carregar a bateria do aparelho celular. não consegue ligar e tentar explicar a ausência no horário de entrada. ela está no elevador, subindo para o oitavo andar. 45 minutos depois das 7 horas, entra na sala, pede desculpas. você ignora o pedido e mostra as pendências para serem resolvidas durante a manhã. apresse-se. à tarde terá o dobro. Fernanda, sua primeira esposa, liga para o celular. diz que Pedro, filho de ambos, não quer ir à escola. Pedro diz ao pai que quinta-feira é dia de ele o levar. hoje já é quinta e você esqueceu do filho que não mora contigo e precisa ir à escola. pede desculpas e promete levá-lo amanhã. hoje será impossível. e desliga o telefone. resolve ir até à rua para fumar um cigarro. um qualquer lhe pede um. você nega e satiriza dizendo que o vício do tabaco faz mal. volta ao elevador. nono, diz à ascensorista. ela escuta oitavo. "oitavo". e você responde: - eu falei nono, incompetente. ela pede desculpas. mais um andar acima: nono, senhor. 38 anos só lhe renderam a afunilança da competitividade mercadológica. tudo o que é humano, desde comportamento até o proximo, não servem de nada. quando a pressão sobe, é hora de passar uma semana na Europa. tudo pago pela multinacional que preside. 100% das ações o pertencem. nada de sócios. dinheiro herdado do pai e bem aplicado no mercado de ações e cosméticos. este último entrara quando percebeu que o mundo é ruim para mulheres sem produtos de beleza milagrosos, perfumes e corretivos. o mundo de todos é ruim. hora do almoço, meia hora para encontrar vaga no estacionamento do shopping. mais meia hora para conseguir mesa no restaurante. come bem, bebe do melhor. está só. sua companhia, uma estagiária para a qual prometera cargos e futuras promoções, percebeu o jogo e lhe deu cano. amanhã você manda demiti-la. mais uma, menos outra. há milhares querendo a vaga dela. há milhares o querendo. a vida é uma merda. amassaram a porta do seu carro no estacionamento. tantos carros, e escolheram o seu. importado e quase raro de se ver na cidade. chama o gerente do estabelecimento. faz um boletim de ocorrência e tudo certo. os gastos serão ressarcidos . você sempre se dá bem. o dia está quase no fim. seu agente ligou dizendo que o dinheiro investido na semana passada triplicou. está dando tudo certo. o comando lhe pertence. chega ao escritório. uma placa escrita à mão diz que a máquina de café está quebrada. então, decide retirar a máquina coletiva e deixar apenas uma particular. quem quiser alguma bebida vá comprar. 18 horas. retorno para casa. trânsito na marginal Tietê. você manda todo mundo se foder com a buzina. entrada do prédio. Sebastião ou José? Não parece o cara que estava lá de manhã. nunca percebeu a troca de turno. três anos morando ali. entra em casa. um bilhete. "você esqueceu da beleza que havia em nossa união. estou na casa de Ubatuba. quero ficar sozinha com os meninos. por favor, respeite minha vontade. não ligue e não apareça". o que aconteceu? ela está louca. pega as chaves do carro e vai até um bar. bebe apenas para pensar em tudo. dor de cabeça é inevitável. garçom, por favor, me traz mais uma dose. copo no balcão. obrigado, responde. e sorri. pergunta o nome do rapaz do outro lado do balcão. "André, senhor". agradece mais uma vez. sente falta da mulher e dos filhos. volta para casa e dorme sozinho no quarto. o mundo começa a melhorar para ele. a previsão para o outro dia é sol. a bicicleta está parada. poderá ser usada amanhã.

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