sexta-feira, 16 de outubro de 2009

a vida como ela é

Rosalva chegara em casa às 6h30 da manhã. Passara toda a noite dançando forró com mais de dez machos no bar do João. Marcos, seu marido, estava deitado no chão da sala quando ela chegou em casa. Ao lado dele, uma garrafa vazia de conhaque barato e maços de cigarro. Rosalva tropeçou no braço do dorminhoco e bateu com o rosto do sofá. - Filho da puta! Gritou a mulher. Marcos fez muito esforço, mas só conseguiu levantar a cabeça por dois segundos. A cabeça pesava. Não deu tempo de ver Rosalva correr para o banheiro para limpar o sangue que lhe manchava a cara. Ao invés de se assustar com o vermelho no rosto, começou a rir desesperadamente. Riu como uma escandalosa. Um desvairio completo. Passou uma toalha branca em cima do ferimento. Um talho de dois centímetros na parte inferior do olho esquerdo. Sentia o cheiro forte do sangue e cerveja junto com perfume e suor dos homens com quem varara a noite. Achava aquilo uma delícia. Um delírio. Resolveu dormir assim mesmo. Foi para o quarto. Atravessou a cortina que separava esse cômodo dos demais. Deitou-se na cama. Estava bem e feliz. Bem suja. Imunda. Tirou os sapatos sem tocá-los. Um no chão. O outro, no colchão. Apagou. Agora, estavam marido e mulher deitados. O homem também passara a noite na farra. Foi para a casa de uma prima de Rosalva, a Carlotinha. Fumou, bebeu, transou. Depois, voltou para o lar carregado pelo instinto. Ao atravessar a porta, deitou no tapete e bebeu o líquido que ainda restava da garrafa furtada da cozinha da amante. Por coincidência, também estava com um corte na face. Um corte que também sangrou. Manchou. Rosalva e Marcos já foram muito felizes. Viviam grudados. Quando completaram dez anos de casamento, resolveram se odiar. Amargar a mesmice da vida. Cada um decidiu que participaria apenas da vida dentro de casa. A vida externa era para cada um. A coisa começou pequena. A mulher saia com alguns e ele com algumas. Isso tomou proporções incontroláveis. Os prazeres carnais e mórbidos eram o que traziam alegria e razões para continuarem a viver. Ninguém entendia isso. Marcos acordou com dor de cabeça. Levantou-se. Jogou a garrafa contra o chão. O barulho dos cacos fizeram Rosalva despertar. - O que é isso, seu louco? Exclamou a mulher. Ele abriu a porta e saiu. Ela voltou a dormir. Ele voltou com uma garrafa de vinho e foi se deitar ao lado da companheira. Sim, eles dividiam o pão. Deu um beijo na sua testa. - Como foi a noite, meu bem? A pergunta saiu da boca dos dois em coro. Trocaram olhares e puseram-se a rir. - Hoje é domingo? - Sim, respondeu a mulher. - Pede cachimbo. - Hã? - Nada, nada. - Faz macarrão? - Claro. - Vou dormir mais um pouco. - Eu também. - Boa noite. - Mas o dia já está claro. - É um cumprimento habitual. - Gozou? - Não interessa. - Foi apenas uma pergunta. - Você quer quebrar o trato? - Não. - Então, tá. - Te amo. - Eu também. E assim era. E assim é, a vida como ela é.

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