quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Amigas em silêncio

As duas estão lá, fechadas dentro do quarto. Abafadas pelo silêncio. Silêncio inquieto que chega durante a noite. Em meio aos livros, DVDs de filmes e CDs, Clarice aguarda a amiga para prosear. Mostrar uma visão diferente do mundo. Fugir um pouco dele. Pressupostos. A conversa é feita pelo olhar. Assim tentam se entender. Discutem. Concordam bastante. Discordam pouquissimas vezes. Sempre atenta a tudo o que é dito, em silêncio, Loyola pensa em si mesma por meio da outra. É levada para o interior, ao inexplorado, até chegar ao novo. Provoca o estado tranquilo. Clarice ri para ela. Ri dela. Riem juntas. Chegam ao senso-comum. Comum? Mas não há equilíbrio. Em cada linha de prosa taciturna, há muito a dizer e entender. O cansaço tenta interrompê-las. Um livro é fechado. Os olhos não. O mundo é descoberto. Universo. Loyola deseja desvendar o que há nas falas da amiga. Coisas em comum. Fora do comum. Parecidas. O silêncio a questiona. São muitas perguntas. E não faltam respostas. Sobram. O silêncio está com ela. Não ao lado. Quer tira-la de um pensamento e leva-la a outros. Ciclo constante. Olhos pesados e secos. O barulho chega sorrateiro. Uma xícara com café frio cai e molha Clarice. Ela não se chateia. Gosta da mancha em sua pele branca. Faz o tipo dela. A janela é aberta. Uma brisa acaricia os cabelos soltos. Fumam cigarros para romper o silêncio. Há apenas o barulho do tabaco queimando e o riso interno de Loyola que se espalha rua afora, por toda avenida. Um cão late. Insônia. São quatro e meia da manhã. Loyola tatuou seu nome com tinta azul de esferográfica em Clarice. Deu um abraço e a descansou na cômoda. Breve apreço. Segue sozinho o silêncio até o nascer do Sol, quando as duas despertam mudas de mais uma noite de falação silenciosa.

3 comentários:

Day Rodrigues disse...

"Não há homem ou mulher que por acaso não tenha se olhado ao espelho e surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado. A isto se chamaria talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo."
("A surpresa". A descoberta do mundo, Clarice Lispector, pág. 23 - a partir da linha 16)
Day: por ora, o meu espanto é silêncio... (e admiração...)

Day Rodrigues disse...

Na verdade, acho que fiquei emocionada...

carolina disse...

Mais do que me emocionar, seu texto me fez refletir...e como é bom refletir!

Parabéns pelo texto..e como você disse: muita luz metafórica para todos nós!