quinta-feira, 24 de setembro de 2009

macambuzio

A melancolia o toma por inteiro. Qualquer abrigo do mundo não serviria de refúgio. Dentro d'alma não há calor. Sente-se muito estranho. Hoje é quase impossível sorrir ou caminhar de cabeça erguida. No decorrer da tarde, o ato só acontece como uma tarefa mecânica ou caridosa. Nada de espontâneo ou alegre. Nada de instigante ou sedutor. Anda por aí, pisando num chão escorregadio e sem graça. Tenta não pensar em nada. Um cigarro aceso é lançado à sua frente por um homem de barbas brancas. A chama o leva ainda mais à tristeza que o persegue. Ela é sua inimiga. Sente uma sensação de letargia. Hoje é o primeiro dia que a sente dessa forma, intensiva. Chegam o medo e a tremedeira. Acha que, por ventura, pode se tornar crônica. "Ah, mas não vai mesmo", diz para si bem baixinho. Inspira profundo. Enche os pulmões. Falta entusiasmo. Ele decide ver o mar. A imensidão do oceano irá lhe trazer boas sensações. Agora, vibra por dentro. No caminho, recebe um panfleto. Lê rapidamente: compro ouro e jóias. Acelera os passos. Alguns metros adiante, tentam lhe vender balas de goma e drops. Recusa com um gesto. Vai atravessar uma avenida, mas os carros passam depressa. Demora para notar o boneco vermelho estático do outro lado da calçada. O boneco fica verde. Atravessa. Quer sentir o cheiro do mar. Num outro semáforo, o boneco está parado. Ele não veste vermelho, mas também para. Olha para o lado e percebe um cego. Segura o braço dele. Ambos andam devagar pela faixa de pedestres. Sem saber por que, lembra da mãe lhe dando conselhos de como a vida é difícil. Lembra de metáforas de sábios orientais sobre a existência humana e as artes para o alcance da felicidade. Os sábios devem ter razão. Desiste da água salgada. Compra uma Coca-Cola enlatada. Paga três reais e cinquenta centavos e acha um absurdo. Mal termina de tomar o refrigerante e um mendigo pede a lata. Ele entrega. O cara agradece. Carrega um saco preto cheio de outras latas. Ainda restam trinta e cinco minutos, de um total de 60, reservados à sua digna hora de almoço. Decide, então, almoçar. Para numa lanchonete asseada e pede suco de laranja, café puro e torta de palmito. A garçonete diz que só tem de frango. Então, pede pizza broto de mussarela. A combinação da cafeína e queijo o deixa feliz. Sorri sozinho. Bebe dois goles do suco. Paga. Os dois reais e quinze centavos de troco, pede em balas Frumello. Pronto. Está satisfeito. Sai da lanchonete para mais quatro horas de trabalho. Satisfeito com as pequenas coisas da vida. Por um bom tempo, não vai mais se sentir macambuzio.

Um comentário:

Day Rodrigues disse...

Imaginei esse personagem atravessando a Avenida Ana Costa e chegando até a avenida da praia. Atravessa o farol, olha o mar, sentado na calçada da areia. Depois, pensei nele comendo pizza na lanchonete Sevilha. Enfim, minha imaginação foi longe. E, o mais legal é ver sua escrita fluindo. Pô, você vai longe, viu?! Está drescrevendo muito bem. A narrativa tem um movimento e muitos sentimentos, me identifico bastante e fico com uma vontade enorme de ir para o meu blog escrever.